domingo, 6 de fevereiro de 2011

13, que são 14, que são 25, que são 13, que são 15, que são... han?

Quando fiz minha iniciação com Alexandre Luis Casali, em 2007 (quando eu já tinha 03 anos de palhaça e ainda andava perdida pelo mundo do nariz vermelho), ele apresentou de forma muito bonita os “Os 13 – que são 14 – Comandamentos do Palhaço”. Trata-se de mandamentos, princípios, valores que o palhaço tem dentro de si. São palavras ou termos como “o prazer de estar presente”, “a alegria de ser quem é”, a “curiosidade”.

Foi muito lindo ouvi-lo falar sobre todas aquelas maravilhas, como esses comandamentos se relacionavam com o palhaço, e, quando decidi entrar no campo da educação especial logo vi que tais comandamentos estavam ligados também à pessoa com deficiência intelectual. Eu já teorizava a respeito na época de meu TCC que estudava a mesma temática, mas não sabia como implementá-los na prática em sala de aula. Até que eu conheci Angela de Castro...

Ai, Angela de Castro... Falo muito dela, mas tenho todos os motivos do mundo. Casali e de Castro foram divisores de águas na minha vida sim, digo sem rodeios, nas vidas de palhaça e de professora. Alexandre aprendeu os “Comandamentos” com de Castro, com quem ele fez oficina duas vezes e que ele chama de sua madrinha. Esta e tantas outras coisas que aprendeu com ela, introduziu no seu próprio curso, que mescla com maestria exercícios de Angela, do LUME, de Xuxu e outras referências mais (passes mágicos, dança circular sagrada...). A oficina de Xande é um mergulho intensivo e profundo de quatro finais de semana, dias inteiros. Eu conheço muita gente que fez curso com ele (Casali é responsável por quase todos os “partos” de palhaço de Salvador) e é praticamente unânime a visão de que quem faz sai transformado. Parece até terapia, mas para alguns chega perto disso.

Angela de Castro é Mestra com M maiúsculo. Quando você ouve muito a respeito de alguém, fica cheio de expectativas e corre os riscos de ir cheio de preconceitos ou se decepcionar. Cheguei no primeiro dia de sua oficina numa mistura de nervosismo e deslumbramento, sem fazer a mínima idéia do que esperar realmente dela. E ela me encantou. De verdade. Uma generosidade, uma habilidade na condução dos exercícios e uma clareza na explicação deles que são de deixar qualquer professora embasbacada. Eu nos meus anos de escola, faculdade de teatro, pós-graduação, cursos de palhaço... nunca aprendi com alguém como ela. E no seu método (ela insiste em afirmar que não sabe se tem “um método”, mas meio mundo acha que sim), o que mais me impressionou foi como ela apresenta os “Comandamentos”.

De Castro apresenta e trabalha os “Comandamentos” durante todo o curso, do primeiro ao último exercício, explicitando de forma bem didática como cada atividade aborda o comandamento em questão e como nós podemos fazer para trabalhá-los. Incrível como ela deixa tudo claro, limpo, iluminado. É um estalo na cabeça: “É mesmo! Eu sempre brinquei de record e nunca pensei nisso!”

Os “treze que são catorze” da época que Alexandre aprendeu, hoje aumentaram para vinte e cinco “Comandamentos do Palhaço” (isso até dezembro de 2010...). Cito aqui um por um, para que quem tiver interesse tenha a mesma oportunidade que eu tive:

O prazer de estar presente (que ela explica estar diretamente ligado com o carisma); estar no momento; compromisso (querer fazer); felicidade de estar fazendo; alegria de ser quem é; amor; honestidade; generosidade; simplicidade; coragem; disciplina; curiosidade; deslumbramento; liberdade; inocência; ingenuidade; esperança; cumplicidade; solidão; divertimento; entrega; aceitação; leveza; serenidade; estado do jogo.

Desses vinte e cinco, escolhi treze-que-são-quinze por aproximação ou necessidade de ser trabalhado com o grupo, que foram devidamente apresentados na última aula, do dia 31/01/2011. Esta aula foi novidade dentre os planejamentos que tenho feito nessa área desde 2006 e surgiu fruto da experiência com de Castro de do dois de fevereiro.

Explico: Não foi Yemanjá que inspirou a aula não... Acontece que Renata e eu havíamos programado um cronograma com X números de aulas, X carga horária, sem pensar que no dia 02/02 a cidade pára e chegar no centro da cidade seria uma tarefa bem difícil... Mudamos tudo, colocamos o dia do bufão um dia antes, o dia do nariz um dia depois e, no meio deles, um dia dos comandamentos. Seria uma aula para aplicar exercícios necessários antes de colocar o nariz pela primeira vez e de apresentar ao grupo os comandamentos que, para efeitos de simplificação, chamamos de “Mandamentos do Palhaço”.

Os então mandamentos foram trabalhados durante todo o encontro, divididos em exercícios específicos e reforçados sempre que foi oportuno.

O “divertimento” foi trabalhado com o Escravos de Jó – versão Nariz de Cogumelo, juntamente com a “Inocência e Ingenuidade”. Uma brincadeira de criança, que no Nariz de Cogumelo (grupo de palhaços que faço parte) aprendi a substituir os objetos pelos nossos próprios corpos: em vez de passar o objeto pro lado, tirar, botar, deixar o zebelê ficar... nós é que pulamos pro lado, saímos da roda, voltamos pra ela e ficamos no lugar. A brincadeira sempre foi um sucesso com outros alunos meus e pela primeira vez tentei fazer com deficientes. E deu super certo! Eles entenderam a movimentação e, ainda que tenha havido alguns atropelamentos (rs), conseguimos jogar e rodar.

Renata acrescentou mais um comando na marcha dos palhaços, o “abre a roda” e no treinamento da marcha treinamos também a “disciplina”. O exercício do João Bobo (fica uma pessoa de olhos fechados e pés cravados no chão no centro da roda, ela deixa o corpo cair, que será manipulado pela turma, que a joga de um lado para o outro com cuidado e atenção) foi proposto também por Renata, quando apresentamos a “coragem” e a “entrega”. É lógico que não foram todos que se soltaram e confiaram nos colegas (como geralmente nunca o é, seja como for o grupo), mas o João Bobo correu bem e acho inclusive que podemos repeti-lo em outra oportunidade.

“Amor”, “aceitação” e “simplicidade” foram trabalhados no nosso “Eu te amo porque...”. A proposta era andar pela sala e, ao comando do apito, falar “eu te amo porque...” para quem estivesse perto, sendo que o final da frase deveria ser algo simples, imediato, sem tempo pra pensar e a pessoa que recebe deve apenas aceitar o que foi dito, para então falar na sua vez. Vários complementos foram ditos, no espírito desse jogo, desde “porque você é simpático” até “porque você é gordo, alto...”.

Para tratar da “curiosidade” e do “deslumbramento”, e também introduzir sutilmente o jogo de máscara que faz o nariz do palhaço, propomos o jogo da bolinha, em que o participante solta uma bolinha no chão e deve segui-la não com os olhos, mas com o nariz. Eu conhecia o jogo por uma oficina que assisti de penetra com o palhaço Xuxu (Luis Carlos Vasconcelos-PB), e Renata por outras referências. Eu estava muito cética quanto à aplicação dele e... tapa na cara com luva de pelica! Deu super certo. Fizemos um por um e depois o grupo todo deveria seguir a bola, com o corpo (achamos que com o nariz seria ainda delicado demais). Lindo de ver.

Por último, os mandamentos da “solidão”, “prazer em estar presente” e “alegria de ser quem é”, numa atividade longa, que misturou uma prática que Renata fez com os Insênicos e um exercício que fiz com Pepe Nuñez e de Castro. A atividade tinha várias etapas: cada participante se isolava em um canto da sala, para pensar “por que eu sou especial” e em como apresentar isso para o grupo; o grupo foi dividido em palco-platéia, para que cada um apresentasse o que pensou; um por vez, o participante sai da sala, enquanto a professora orienta o grupo para o que viria a seguir; a pessoa entra em silêncio, pára em um ponto em frente à platéia e abre os braços; a turma, como platéia, aplaude muito a pessoa que está ali diante, grita, vibra, até que a professora peça para parar; após receber os aplausos, o participante então faz sua apresentação e fala/mostra “por que eu sou especial”.

Este último momento foi muito bonito. Tivemos alguns depoimentos tocantes, já outros pareciam um pouco perdidos... Mas a sensação de receber os aplausos do grupo foi visivelmente emocionante em todos. Houve quem, inclusive, enchesse os olhos de lágrima. Planejamos repetir a parte dos aplausos, com nariz.

Minha preocupação ali foi com um aluno, que parece um tanto quanto obcecado no assunto dos programas sensacionalistas, a ponto de que tivemos que falar sério com ele, para que deixasse para falar nisso na hora certa e respeitasse o momento dos colegas.

Aula que vem, segunda, é o dia de colocar o nariz pela primeira vez. O dia mais esperado da oficina, tanto pelos alunos, quanto pelas professoras.

Todos à bordo rumo à Terra do Por Que Não?.

Um comentário:

  1. Fiquei curioso para conhecer esta figura obcecada por falar a respeito do programas sensacionalistas. Fico rindo sozinho aqui e com cara de bobo, lendo e imaginando as situações, os jogos e os exercícios que estão sendo propostos nas oficinas. Aproveitando a leitura para fazer uma viagem até o passado e lembrar das sensações experimentadas nos trabalhos com Ângela e com Alexandre, nas minhas iniciações de palhaço. Ai, ai... Que beleza! Iupiiii!

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