Quando fiz minha iniciação com Alexandre Luis Casali, em 2007 (quando eu já tinha 03 anos de palhaça e ainda andava perdida pelo mundo do nariz vermelho), ele apresentou de forma muito bonita os “Os 13 – que são 14 – Comandamentos do Palhaço”. Trata-se de mandamentos, princípios, valores que o palhaço tem dentro de si. São palavras ou termos como “o prazer de estar presente”, “a alegria de ser quem é”, a “curiosidade”.
Foi muito lindo ouvi-lo falar sobre todas aquelas maravilhas, como esses comandamentos se relacionavam com o palhaço, e, quando decidi entrar no campo da educação especial logo vi que tais comandamentos estavam ligados também à pessoa com deficiência intelectual. Eu já teorizava a respeito na época de meu TCC que estudava a mesma temática, mas não sabia como implementá-los na prática em sala de aula. Até que eu conheci Angela de Castro...
Ai, Angela de Castro... Falo muito dela, mas tenho todos os motivos do mundo. Casali e de Castro foram divisores de águas na minha vida sim, digo sem rodeios, nas vidas de palhaça e de professora. Alexandre aprendeu os “Comandamentos” com de Castro, com quem ele fez oficina duas vezes e que ele chama de sua madrinha. Esta e tantas outras coisas que aprendeu com ela, introduziu no seu próprio curso, que mescla com maestria exercícios de Angela, do LUME, de Xuxu e outras referências mais (passes mágicos, dança circular sagrada...). A oficina de Xande é um mergulho intensivo e profundo de quatro finais de semana, dias inteiros. Eu conheço muita gente que fez curso com ele (Casali é responsável por quase todos os “partos” de palhaço de Salvador) e é praticamente unânime a visão de que quem faz sai transformado. Parece até terapia, mas para alguns chega perto disso.
Angela de Castro é Mestra com M maiúsculo. Quando você ouve muito a respeito de alguém, fica cheio de expectativas e corre os riscos de ir cheio de preconceitos ou se decepcionar. Cheguei no primeiro dia de sua oficina numa mistura de nervosismo e deslumbramento, sem fazer a mínima idéia do que esperar realmente dela. E ela me encantou. De verdade. Uma generosidade, uma habilidade na condução dos exercícios e uma clareza na explicação deles que são de deixar qualquer professora embasbacada. Eu nos meus anos de escola, faculdade de teatro, pós-graduação, cursos de palhaço... nunca aprendi com alguém como ela. E no seu método (ela insiste em afirmar que não sabe se tem “um método”, mas meio mundo acha que sim), o que mais me impressionou foi como ela apresenta os “Comandamentos”.
De Castro apresenta e trabalha os “Comandamentos” durante todo o curso, do primeiro ao último exercício, explicitando de forma bem didática como cada atividade aborda o comandamento em questão e como nós podemos fazer para trabalhá-los. Incrível como ela deixa tudo claro, limpo, iluminado. É um estalo na cabeça: “É mesmo! Eu sempre brinquei de record e nunca pensei nisso!”
Os “treze que são catorze” da época que Alexandre aprendeu, hoje aumentaram para vinte e cinco “Comandamentos do Palhaço” (isso até dezembro de 2010...). Cito aqui um por um, para que quem tiver interesse tenha a mesma oportunidade que eu tive:
O prazer de estar presente (que ela explica estar diretamente ligado com o carisma); estar no momento; compromisso (querer fazer); felicidade de estar fazendo; alegria de ser quem é; amor; honestidade; generosidade; simplicidade; coragem; disciplina; curiosidade; deslumbramento; liberdade; inocência; ingenuidade; esperança; cumplicidade; solidão; divertimento; entrega; aceitação; leveza; serenidade; estado do jogo.
Desses vinte e cinco, escolhi treze-que-são-quinze por aproximação ou necessidade de ser trabalhado com o grupo, que foram devidamente apresentados na última aula, do dia 31/01/2011. Esta aula foi novidade dentre os planejamentos que tenho feito nessa área desde 2006 e surgiu fruto da experiência com de Castro de do dois de fevereiro.
Explico: Não foi Yemanjá que inspirou a aula não... Acontece que Renata e eu havíamos programado um cronograma com X números de aulas, X carga horária, sem pensar que no dia 02/02 a cidade pára e chegar no centro da cidade seria uma tarefa bem difícil... Mudamos tudo, colocamos o dia do bufão um dia antes, o dia do nariz um dia depois e, no meio deles, um dia dos comandamentos. Seria uma aula para aplicar exercícios necessários antes de colocar o nariz pela primeira vez e de apresentar ao grupo os comandamentos que, para efeitos de simplificação, chamamos de “Mandamentos do Palhaço”.
Os então mandamentos foram trabalhados durante todo o encontro, divididos em exercícios específicos e reforçados sempre que foi oportuno.
O “divertimento” foi trabalhado com o Escravos de Jó – versão Nariz de Cogumelo, juntamente com a “Inocência e Ingenuidade”. Uma brincadeira de criança, que no Nariz de Cogumelo (grupo de palhaços que faço parte) aprendi a substituir os objetos pelos nossos próprios corpos: em vez de passar o objeto pro lado, tirar, botar, deixar o zebelê ficar... nós é que pulamos pro lado, saímos da roda, voltamos pra ela e ficamos no lugar. A brincadeira sempre foi um sucesso com outros alunos meus e pela primeira vez tentei fazer com deficientes. E deu super certo! Eles entenderam a movimentação e, ainda que tenha havido alguns atropelamentos (rs), conseguimos jogar e rodar.
Renata acrescentou mais um comando na marcha dos palhaços, o “abre a roda” e no treinamento da marcha treinamos também a “disciplina”. O exercício do João Bobo (fica uma pessoa de olhos fechados e pés cravados no chão no centro da roda, ela deixa o corpo cair, que será manipulado pela turma, que a joga de um lado para o outro com cuidado e atenção) foi proposto também por Renata, quando apresentamos a “coragem” e a “entrega”. É lógico que não foram todos que se soltaram e confiaram nos colegas (como geralmente nunca o é, seja como for o grupo), mas o João Bobo correu bem e acho inclusive que podemos repeti-lo em outra oportunidade.
“Amor”, “aceitação” e “simplicidade” foram trabalhados no nosso “Eu te amo porque...”. A proposta era andar pela sala e, ao comando do apito, falar “eu te amo porque...” para quem estivesse perto, sendo que o final da frase deveria ser algo simples, imediato, sem tempo pra pensar e a pessoa que recebe deve apenas aceitar o que foi dito, para então falar na sua vez. Vários complementos foram ditos, no espírito desse jogo, desde “porque você é simpático” até “porque você é gordo, alto...”.
Para tratar da “curiosidade” e do “deslumbramento”, e também introduzir sutilmente o jogo de máscara que faz o nariz do palhaço, propomos o jogo da bolinha, em que o participante solta uma bolinha no chão e deve segui-la não com os olhos, mas com o nariz. Eu conhecia o jogo por uma oficina que assisti de penetra com o palhaço Xuxu (Luis Carlos Vasconcelos-PB), e Renata por outras referências. Eu estava muito cética quanto à aplicação dele e... tapa na cara com luva de pelica! Deu super certo. Fizemos um por um e depois o grupo todo deveria seguir a bola, com o corpo (achamos que com o nariz seria ainda delicado demais). Lindo de ver.
Por último, os mandamentos da “solidão”, “prazer em estar presente” e “alegria de ser quem é”, numa atividade longa, que misturou uma prática que Renata fez com os Insênicos e um exercício que fiz com Pepe Nuñez e de Castro. A atividade tinha várias etapas: cada participante se isolava em um canto da sala, para pensar “por que eu sou especial” e em como apresentar isso para o grupo; o grupo foi dividido em palco-platéia, para que cada um apresentasse o que pensou; um por vez, o participante sai da sala, enquanto a professora orienta o grupo para o que viria a seguir; a pessoa entra em silêncio, pára em um ponto em frente à platéia e abre os braços; a turma, como platéia, aplaude muito a pessoa que está ali diante, grita, vibra, até que a professora peça para parar; após receber os aplausos, o participante então faz sua apresentação e fala/mostra “por que eu sou especial”.
Este último momento foi muito bonito. Tivemos alguns depoimentos tocantes, já outros pareciam um pouco perdidos... Mas a sensação de receber os aplausos do grupo foi visivelmente emocionante em todos. Houve quem, inclusive, enchesse os olhos de lágrima. Planejamos repetir a parte dos aplausos, com nariz.
Minha preocupação ali foi com um aluno, que parece um tanto quanto obcecado no assunto dos programas sensacionalistas, a ponto de que tivemos que falar sério com ele, para que deixasse para falar nisso na hora certa e respeitasse o momento dos colegas.
Aula que vem, segunda, é o dia de colocar o nariz pela primeira vez. O dia mais esperado da oficina, tanto pelos alunos, quanto pelas professoras.
Todos à bordo rumo à Terra do Por Que Não?.
Fiquei curioso para conhecer esta figura obcecada por falar a respeito do programas sensacionalistas. Fico rindo sozinho aqui e com cara de bobo, lendo e imaginando as situações, os jogos e os exercícios que estão sendo propostos nas oficinas. Aproveitando a leitura para fazer uma viagem até o passado e lembrar das sensações experimentadas nos trabalhos com Ângela e com Alexandre, nas minhas iniciações de palhaço. Ai, ai... Que beleza! Iupiiii!
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