terça-feira, 22 de fevereiro de 2011



Friozinho na barriga (Aula 21/02)

Último encontro antes da saída! O nervosismo começa a aparecer por parte de alguns alunos e ansiedade por parte das professoras. Renata e eu programamos o encerramento da próxima quarta-feira e, o que a priori seria somente uma saída de palhaços, ganhou novidades e ares de finalização de oficina. Vamos aproveitar o Marcha, Palhaço, a dança circular e os números do jornal. De novo, apresentamos o conflito da banana, que atende aos mesmos princípios do jornal e também será aproveitado na saída. Diogo, meu irmão que é percussionista e integra o Nariz de Cogumelo como músico dos espetáculos, dará uma ajuda a mais e acompanhará a saída do grupo. Para isso, foi nesta segunda conhecer a turma e já experimentar algumas coisas para o nosso encerramento.

Antes de começarmos as atividades, sentamos com os alunos para já acordarmos algumas questões relativas ao dia 23. A primeira delas é a proposta de mudança da Praça da Piedade para o Campo Grande, motivada por algumas observações feitas por amigos palhaços que têm notado um clima não muito agradável na Piedade: um ambiente pesado, experiências difíceis de apresentações de palhaço no local e por aí vai. A outra é combinar os horários: marcamos de nos encontrar 30 minutos mais cedo que o habitual, para não atrasar a saída (marcada para as 10h30, no Campo Grande). Por último, os figurinos que ainda estão em aberto. Há grandes chances de, na quarta, termos que improvisar figurino com alguns alunos.

Nesta conversa, L. mostrou novamente uma insatisfação com “esse negócio de palhaço”. Acho que ela está achando tudo bobo demais, “sem ter pra quê”... O depoimento dela não foi tão explorado porque já havíamos conversado demais e estávamos atrasados para o começo das nossas atividades. A programação do dia previa passar o conflito da banana, revisar os números e ainda ensaiar o que vamos fazer na finalização.

Diogo, que foi apresentado aos alunos, participou generosamente do começo ao fim do encontro, inclusive no nosso aquecimento.

Introduzimos, então, o conflito da banana. Um “princípio de cena”, como foi no caso do jornal: um palhaço come a sua banana enquanto o outro, com fome, tenta roubar a banana do parceiro. Fizeram R. e J., L. e N.. As outras duas duplas ficaram com a cena do jornal. L. e N., que não conheceram a proposta do jornal na aula passada porque saíram mais cedo, ficaram notavelmente interessados. Percebi um “plim” em L., que passou a sorrir, dar risada, comentar com entusiasmo as coisas que via. Acho que a proposta de cena, ter algo para apresentar, conquistou mais as expectativas dela.

As quatro cenas (duas do jornal e duas da banana) foram então ensaiadas, maturadas e re-ensaiadas. Naturalmente, são números bem curtos, com finais inusitados e performances diferenciadas. Mas temos sim, algo para compartilhar e estamos todos (acredito) muito felizes com isso.

Problema, contudo, na cena de G.. E., seu parceiro, faltou nesse dia sem dar satisfação. Já andávamos preocupadas com ele, que chega sempre uns 20 minutos atrasado na aula. Sem dupla para G., Renata acabou tomando a vez e ensaiou com ela a cena do jornal, no caso de E. faltar novamente.

Após um trabalho mais atencioso nas cenas (que receberam acompanhamento de Diogo), partimos para o que será a sequência da saída:

  1. Chegada na praça com Marcha, palhaço, até o comando “volta ao mundo”
  2. Dança circular
  3. Iupiiiii!
  4. Abre para apresentação dos palhaços (Renata e eu apresentamos um por um, pelo seu nome paspalho)
  5. Banana: Forestino Comcerteza e Basquetino Roial
  6. Banana: Pochente Mão-de-aço e Charmosilda Coxuda
  7. Jornal: Seu Feijão Minguinho e Zé Bão Dismilingüido
  8. Jornal: Garrafinha Meliga e Pontualdo Sentaí (ou Velcra Neon)
  9. Agradecimento e Encerramento
  10. Marcha, palhaço: Saída da Praça

No nosso encerramento do dia, Renata com sua sapiência de artista+psicóloga fez uma dinâmica com o grupo muito linda, quando cada um deveria jogar no gigante nariz de palhaço imaginário que estava ao centro, todas as suas expectativas para a quarta-feira. Nervosismo, frio na barriga, sorrisos, alegria, aplausos. Muitas palavras surgiram, acompanhando as muitas sensações nestes preparativos.

Espero que E. não falte. Espero que eles cheguem às 09h30. Espero que levem suas roupas. Espero que os familiares compareçam. Espero que Renata e eu saibamos conduzir a saída. Espero que eles gostem. Espero que eles se divirtam. Espero, espero, espero...

Olha que professora ansiosa eu sou...

Pra liberar os nervosismos e atrair todas as cores para a nossa saída, eu deixo aqui, mais uma vez, o nosso grito:

“IUUUUUPIIIIIIIII!!!!”

É tempo de ousar. (Aula 16/02)

Estamos perto do final da oficina. Antepenúltima aula. Está na hora de começar a direcionar os nossos encontros para o que será utilizado na saída dos palhaços e de ousar um pouco mais. Quando eu dava aulas no Pestalozzi, o mais perto que cheguei de construção de cena foi ano passado, quando trabalhei com os alunos conflitos presentes em números clássicos de palhaço: o que tem um jornal para ler X o que não tem; o que tem um suco pra beber X o que está com sede; o que tem o que comer X o que está com fome. Sempre relações de poder apresentadas aos alunos, que deviam representar os conflitos ao seu modo.

Surgiam situações interessantes e saídas curiosas para as dificuldades apresentadas. Em uma aula, por exemplo, quando apresentei o conflito do suco, eu conversei com um aluno: “Ele bebeu o suco que estava no seu copo. Agora, se você olhar o copo, ele estará cheio ou vazio?” Silêncio... “O copo estará com suco ou sem suco?”, insistia eu. Resposta: “Tem suco lá em casa!” Perfeita lógica de palhaço, é ou não é?

Apesar das respostas peculiares, nunca tive oportunidade de aprofundar nesses conflitos ou conseguir que eles propunham a resolução dos mesmos. A turma, como eu já comentei algumas vezes, tinha mais dificuldades, outros desafios e as capacidades para improvisar ou articular uma construção de cena precisavam ser mais desenvolvidas.

Nesta oficina do Xisto que encerra no dia 23, as possibilidades são outras. Quase todos se expressam bem verbalmente, entendem os comandos e as propostas durante as atividades e já vêm apresentando não só uma capacidade, mas uma vontade de criar sob uma perspectiva mais cênica. Chega o momento, então, de novos desafios e três exercícios de picadeiro foram utilizados nesse sentido.

Antes destes exercícios, fizemos o aquecimento de praxe e algumas atividades que trabalhassem as relações das duplas e alguns aspectos técnicos do palhaço, como o “olhar com a máscara (nariz)”.

Após o aquecimento, fomos lembradas pelo próprio grupo que G., que faltara na aula anterior, não havia recebido seu nome de palhaço. Refizemos o nosso ritual de batizado e, ainda que não tenha tido a mesma atmosfera da aula anterior, G. acreditou muito naquele momento e recebeu com gosto o seu nome paspalho: Zé Bão Dismilingüido. “Esse eu gostei!”, disse ele.

As três atividades em dupla que se seguiram antes da segunda parte da aula foram: caminhadas em espelho (que fizemos na quarta anterior), açãoXreação, foco da máscara. As duas últimas foram coordenadas por Renata, e tiveram ótimas respostas. Na de açãoXreação, as duplas estavam dispostas na sala e deveriam encenar uma “luta” em que um fazia e o outro respondia com o corpo. Eram incentivados golpes mais ridículos, como fazer cócegas, puxar o nariz, e tudo deveria ser feito sem tocar no colega, a uma distância segura.

A atividade que trabalhava o foco da máscara tinha um comando simples: cada palhaço deveria seguir “olhando com o nariz” a todo custo a mão do seu parceiro, que brincava de andar com a mão para trás, para frente, levantá-la, abaixá-la, aproximá-la etc. Após um momento inicial de dificuldades em ambas as atividades, as duplas realizaram as propostas com maturidade e concentração impressionantes.

Partimos então para a segunda etapa do dia, que também era composta por três exercícios de duplas, que seguiam uma ordem crescente de grau de dificuldade. O primeiro deles era mais simples e familiar ao que já havíamos trabalhado durante a oficina. Cada dupla deveria combinar como se apresentar para a platéia, sendo que sempre cada palhaço deveria apresentar o seu parceiro, falando o seu nome recém-batizado. Na minha visão, é como se fosse uma segunda versão nossa do “Vamos falar um oi”. A diferença entre este e o “Como vai...? Muito bem...”, é que neste não há texto prévio, apenas a orientação de que têm que falar os nomes de seus parceiros, e, portanto, requer uma maior articulação da dupla para o que será ensaiado e apresentado. Outra orientação que demos foi que cada palhaço deveria apresentar o seu parceiro como a pessoa mais interessante do mundo e que a apresentação deveria ser feita de forma “teatral”, para estimular nos alunos uma expressividade maior em cena.

Nesta, Renata e eu nos revezamos auxiliando as duplas, no intuito de estimular a tal “teatralidade” que pedimos. Não opinamos no conteúdo das cenas que estavam ensaiadas ou nos seus respectivos textos, apenas trabalhamos a execução dos mesmos. Nas apresentações, tivemos grandes lindos momentos. Os textos que conhecemos no processo de cada dupla já não eram mais os mesmos e assistimos apresentações interessantíssimas, desde os que usaram mais o corpo aos que arriscaram mais nos diálogos: “Este é Basquetino. Ele é alto, é atleta e é bom de basquete.// Este é Forestino. Ele é alto, é charmoso e é inteligente.” Uma graça.

A segunda atividade foi a nossa versão do “Faça uma coisa engraçada”. O citado exercício é famoso em iniciação de palhaço por ser um dos mais temidos pelos participantes. A proposta parece simples: cada palhaço deve entrar em cena e fazer uma coisa engraçada. Ponto. É isso. Mas ô coisa difícil! Quase sempre, quando funciona é porque o palhaço encontrou o ponto certo entre deixar a mente aberta (piadas planejadas raramente dão certo nesse exercício) e ter a sensibilidade para, quando vêm uma coisa à tona, reconhecer sua comicidade e aproveitá-la em cena. Equilíbrio difícil de conseguir. Fiz esse exercício duas vezes. Uma até que não foi tão ruim... mas a primeira foi um desastre!

Na nossa versão, como aconteceu com o “Vamos falar um oi”, modificamos a proposta de uma improvisação livre para uma cena pensada previamente que, no nosso caso, seria feita em dupla. Do exercício que Renata e eu conhecemos, fica o mote e o trabalho da comicidade, que até então não havia sido feito na oficina. E foi um sucesso. Houve quem trouxesse referência de gags clássicas (como puxar a cadeira do colega que vai sentar), quem encenasse algo mais teatral, quem fizesse piada com diálogos construídos e quem até representasse uma brincadeira que, aos olhos deles, é engraçada (pega-pega).

Eu ri horrores. E ri de verdade, seja porque fiquei boquiaberta com a capacidade de criar piadas, ainda que estas precisem ser trabalhadas se aproveitadas posteriormente, seja porque assistimos situações verdadeiramente ridículas. Ridículas e risíveis, com toda a leveza que elas têm que ser. Um pega-pega feito em círculos, com Seu Feijão Dismilingüido fugindo (todo “dismilingüido”) de um parceiro que tentava pegá-lo parado no lugar. Uma cadeira que, para ser puxada, tinha que ser antecipada dos cochichos “Vai, agora você. Tem que puxar a cadeira...” Tudo cheio dos mandamentos do palhaço: inocência, ingenuidade, divertimento, prazer de estar presente...

Por fim, o desafio maior... Passamos para o grupo algo como um princípio de cena, baseado em um número clássico de palhaço. Este princípio apresentava um conflito muito simples: Dois palhaços; um tem um jornal e quer lê-lo sozinho; outro quer ler, mas não tem jornal. O jogo, portanto, está no segundo palhaço tentar a todo custo ler o jornal do seu parceiro, enquanto este não deixa de jeito nenhum. Passada essa dinâmica, o desafio que demos para cada dupla foi de apresentar essa “cena”, com um final criado por eles.

Dessa vez, foi Renata que não acreditava muito na idéia, mas se deixou convencer ao passo que a aula foi acontecendo e eles foram demonstrando suas habilidades de criação e representação. Partiram, então, para a criação. Das três duplas que ficaram (uma precisou sair mais cedo), uma precisou da ajuda de Renata, que deu alguns toques na resolução do conflito do jornal. As apresentações foram, mais uma vez, interessantíssimas. De soluções simples, como roubar o jornal do outro e terminar a cena, às mais elaboradas (cheias de drama, falas), cada dupla deu a sua versão do final da história.

A aula terminou e Renata e eu compartilhamos do mesmo ar de “orgulho dos alunos”. Foram tantas melhoras aparecidas de uns encontros pra cá que temos ficado verdadeiramente felizes com esse trabalho. Ver a desinibição crescente do mais tímido, um sorriso lindo em alguém mais fechado, uma encenação empolgada no que parecia menos motivado.

Suspiro de satisfação no ar.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Nasceu! (Aula 14/02)

A décima aula teve basicamente dois objetivos: começar a pensar nos figurinos e dar nomes aos palhaços. Os nomes foram pensados entre Renata e eu, sempre brincando com as características dos próprios alunos (sejam físicas ou comportamentais). Para os figurinos, como eu citei no relato passado, entregamos um convite para cada aluno, para uma festa de palhaço. As recomendações eram trazer uma roupa que cada aluno se sentisse bem, elegante, e que a roupa fosse escolhida somente por ele, sem intervenções da família. Renata e eu levaríamos mais algumas peças de roupa que julgássemos adequadas (blazer, bolero, camisa social, gravata, suspensório, chapéu...) e montaríamos, junto com eles, uma primeira opção de figurino para cada um.

Um dia de fortes emoções!

Assim que entramos na sala, colocamos as nossas peças de roupa espalhadas no chão e orientamos os alunos que fizessem o mesmo. Dos sete alunos presentes, quatro levaram suas roupas. Começamos a negociar algumas mudanças para os que levaram e as roupas para os que não levaram, e aí que vem a história... Foi um trabalho do tamanho do mundo para fechar essas roupas! Cheios de vontade, esses alunos. “Eu não uso preto. Não uso.” “Eu não vou botar esse casaco. Ele é muito quente.”

Foi um tal de “não quero”, “não vou”, “não gosto”... Eu olhava pra Renata e ela me olhava de volta com caras de “Como assim???”. Para ilustrar: L., que não levou nada, reclamou tanto que a única coisa que aceitou usar foi um enfeite na cabeça. Enfim, por fim e finalmente conseguimos entrar em um acordo, pelo menos naquele momento.

Os alunos saíram da sala para se arrumar enquanto Renata, eu e Luisa (querida amiga que foi pela segunda vez pra tirar fotos) arrumávamos a sala com cachos de bexigas coloridas. Acho que essa decoração foi mal planejada. Primeiro, porque levamos um tempo grande para encher as bexigas – e nem enchemos todas. Teríamos que ter chegado bem antes, deixar a sala pronta, ver as roupas do lado de fora para então começar a “festa”. Mas atrasamos e, bem, mudança de planos. Segundo, porque a sala é grande e um pacote (ainda que fosse todo) de balões não faz tanto efeito. Para criar o clima que queríamos, de festa, comemoração, diversão, precisávamos de mais balões, faixas, confetes etc. Mas vamos lá.

Renata e eu também improvisamos uma roupa de festa e colocamos o nariz, para recebê-los de palhaças. Está aí outro problema no nosso planejamento. Programamos o dia do figurino e do batizado numa mesma reunião em que programamos mais duas aulas. Acho que ficamos tão empolgadas criando os nomes que não damos a devida atenção aos cuidados com os preparos para a festa... Não ficou claro, pra mim, que eu estaria de palhaça (usei um nariz de Renata), ainda que na hora eu concordei sem pestanejar que seria realmente a melhor opção. E não ficou claro, pra nenhuma das duas, como seria essa roupa de festa. São as roupas tradicionais das nossas palhaças? Roupas de festa pras palhaças? Roupas nossas? Roupas improvisadas? Já que não estava nada fechado, improvisamos então.

Prontas, fomos à porta da sala para receber os nossos convidados. Renata me disse algo como “segura essa energia porque hoje tá difícil...” (não nessas palavras, mas a idéia foi essa). Abrimos a porta e começamos a festa (ao som de salsa!). A festa demorou pra animar... Velcra, a palhaça de Renata, tentava a todo custo subir a energia dos nossos convidados enquanto Floricota (minha palhaça) contornava as crises com o figurino que ainda existiam: era um reclamando, outro querendo se trocar... Passadas as crises, começamos nossa programação do dia.

A primeira parte da festa foi, claro, a dança. E aí começamos de verdade! Após um dançar tímido e meio desanimado do grupo, partimos para aquela conhecida dinâmica de cada um vai ao centro da roda para dançar. E foi super interessante. Acho que nossa animação desajeitada conseguiu contagiar os participantes, que passaram a se sentir mais à vontade com suas roupas. Surgiram danças diferentes, mais desinibidas que em outras oportunidades. Passamos ao grupo uma dança circular, que pensamos em aproveitar na saída dia 23. Pisadas e tropeços à parte, até que aquela turma de palhaços se saiu direitinho executando os mesmos passos.

A reação deles foi excepcional. Tanto do palhaço que recebia o nome, como dos que assistiam. Risos, sorrisos, olhares encantados. Os nomes foram muito bem recebidos! Ufa! Deu certo! Já pensou se tivesse crise de nome? Iríamos trocar? Fazer o que? Felizmente não precisamos nos preocupar com isso e aqueles nomes e sobrenomes, que chamavam atenção para o tamanho de um, o andar mancado de outro, foram aceitos com alegria. A alegria de ser quem é.Chega, então, o grande momento do dia: o batizado! Pensamos com tanto carinho em cada um dos nomes... Eu estava muito ansiosa para ver a recepção deles e, a essa altura, nervosa, porque o figurino já havia sido bem delicado.

Todos num canto. Um por vez e desfilar em diagonal pela sala ao nosso encontro, exibindo seu visual novo, roupa nova e preparando-se pra receber seu nome. Chegando lá, criamos (na hora!) o nosso ritual de batizado. O palhaço vira para o grupo, Velcra e Floricota põem a mão na cabeça dele e dizem, como num jogral: “Nós, palhaças, declaramos que VOCÊ existe. E a partir de agora irá se chamar...” E dizíamos o nome de cada palhaço.

Após o batizado, repetimos a dança circular e o “Marcha, palhaço”, para relembrar os comandos.

Na avaliação, ouvimos o que os alunos tinham a dizer sobre seus nomes e suas roupas. As roupas ainda pediam alguns ajustes, que seriam resolvidos nas aulas seguintes. Sobre o momento do batizado, A., o que na aula passada conversou sobre sua timidez, disse com o maior sorriso do mundo: “Eu me senti subindo num altar.” E. completa, sorrindo igual: “É... E eu descendo de um altar!” Rsrsrs Figuras...

Fica aqui o nome dos palhaços. Não vou justificar a escolha de cada um, porque isso leva um tempo... Deixo para a minha dissertação!

A. – Seu Feijão Minguinho

R. – Forestino Comcerteza

J. – Basquetino Roial

N. – Pochente Mão-de-aço

L. – Charmosilda Coxuda

E. – Pontualdo Sentaí

G. – Garrafinha Meliga


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Fotos por: Luisa Saad

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Clap, clap, clap! (Aula do dia 09/02)

Como continuar com o trabalho do palhaço? Eis a questão!

Como é de costume, a nona aula da oficina foi planejada juntamente com Renata. Programamos um bloco de três aulas, entre o primeiro dia do nariz e a preparação para a saída. O objetivo das três era amadurecer o trabalho de palhaço de cada aluno, formar duplas, trabalhar com elas e começar a preparar o grupo para a saída de palhaço, no dia 23.

A quarta-feira dia 09/02 foi o primeiro dia desse bloco e a aula seguinte à primeira experiência com o nariz do palhaço.

Para início do encontro, após o nosso ritual habitual de aquecimento, fizemos um jogo de toques com uma bolinha imaginária. Em roda, os alunos deveriam passar a bolinha para o colega, como vôlei, sempre olhando no olho e respeitando as características da bola. Eu não estava tão confiante na eficiência desse jogo, mas após uns tropeços iniciais e acertos com o grupo (foi importante acordar o tamanho da bola, por exemplo), tudo fluiu super bem. Alguns às vezes se distraíam, outras vezes apareciam duas, três bolas imaginárias na roda... Mas o jogo funcionou muito melhor do que eu esperava.

Um pega-pega para esquentar o grupo e um Iupi para colocar o nariz.

Daí seguiu-se três atividades para trabalho do palhaço de cada um. A primeira foi de andanças, as caminhadas de cada palhaço. Andando pelo espaço, os alunos experimentaram diferentes modos de andar, destacando e exagerando características próprias, de sua postura e do seu jeito de se movimentar pelo espaço: mancar ainda mais, rebolar ainda mais, reforçar a corcunda, a movimentação dos braços... O objetivo não é “criar” um andar pro seu palhaço, pois buscamos uma linha bem próxima do que eles são, mas ver a possibilidade de que o palhaço pode exagerar seus ridículos também no andar.

A segunda atividade foi a do aplauso, que já fizemos duas aulas atrás. Desta vez, contudo, a atividade foi conduzida com diferenças significativas. A primeira delas é que os alunos que recebiam os aplausos estavam de nariz vermelho no rosto. A segunda é que o exercício resumiu-se aos aplausos em si, não teve preparação de “eu sou especial porque...”, nem apresentação. O aluno saía da sala, colocava o nariz, entrava, parava em frente à platéia e recebia os aplausos. Recebia, somente. Quando os aplausos cessavam, ele agradecia ao grupo e saía da sala, para então tirar o nariz.

A última distinção é que o aluno que estava fora, à espera para entrar e receber os aplausos, recebeu uma atenção e um preparo especial. Enquanto Renata ficava com o grupo e reforçava a importância daqueles aplausos, de serem grandes, altos, empolgados, eu ficava com a pessoa que estava do lado de fora da sala. Tive a honra de ficar com essa função. Em uma conversa curta, porém direta e profunda com eles, eu ressaltava para cada um a importância daquele momento, de receber aqueles aplausos: “Na vida, a gente só costuma ser aplaudido quando fazemos alguma coisa muito importante. Aqui não precisa fazer nada muito importante. Quem é muito importante é você, do jeito que você é. E você merece esses aplausos, justamente porque só você é do jeito que você é...”

Lindo ver como os olhinhos brilhavam e um sorriso espontâneo e sincero saía toda vez que eu tinha essa conversa. De acordo com as características de cada aluno (ansioso, tímido, inquieto), a conversa focava mais no não fazer nada, no se sentir à vontade ou no deixar receber. Mas sempre o discurso acima era dado e, sempre, um sorrisão era estampado no rosto e, como presente para o grupo, aparecia brilhante no momento de receber os aplausos. Lindo demais.

Em seguida, repetimos o exercício de foco em que se deve seguir uma bolinha com a ponta do nariz (duas aulas atrás, quando trabalhamos os mandamentos da “curiosidade” e “deslumbramento”), dessa vez com o palhaço. Partimos, então, para as atividades em dupla.

Fizemos o exercício do espelho, com as duplas de palhaço que escolhemos no final da última aula e o exercício foi realizado com precisão ainda maior que na última vez. Da posição de um de frente pro outro, o princípio do espelho seguiu com caminhadas em dupla pela sala, reforçando o trabalho anterior com os andares do palhaço.

Propomos então o primeiro exercício de picadeiro. Burnier (2001) afirma que o exercício de picadeiro é o principal dos exercícios em que o praticante do palhaço é confrontado com seu ridículo e sua ingenuidade. Na sua pesquisa, este exercício é feito com a figura do dono do circo, o Monsieur Loyal, que procura algum palhaço que preencha a única vaga oferecida no seu circo. Cada palhaço tem que, um por um, mostrar suas habilidades e tentar conquistar essa vaga. A relação que se estabelece é entre um palhaço que acredita no jogo e faz de tudo para vencer nele e um dono do circo que pode tornar o palhaço o maior perdedor de todos, quebrando as couraças do praticante e suas estruturas defensivas.

No meu caso, eu chamo de exercícios de picadeiro todos aqueles em que é estabelecido a relação de palcoXplatéia com o palhaço e que este tem que mostrar alguma coisa para o grupo que está assistindo. Por opção minha e de Renata, os exercícios de picadeiro desta oficina foram pensados para serem realizados em duplas, a fim de fortalecer os pares, deixar os participantes mais à vontade e alcançar uma capacidade maior de articulação para cena (a facilidade de um ajuda a dificuldade de outro).

O primeiro exercício de picadeiro é a nossa adaptação simplificada do “A gente tem que falar Oi”, que aprendemos com Casali e eu fiz também com De Castro. Na versão “original” (se é que isso existe), uma dupla de palhaços entra em cena para, improvisando, combinar como dar um “oi” pra platéia. Não há ensaios ou acordos prévios. Dada a previsível dificuldade dos nossos alunos com tamanha necessidade de improvisação, nós fizemos uma versão diferenciada do exercício, pensada para ser executadas em duas partes.

A primeira parte ficou para esta aula e os comandos foram bem simples. Divididos em duplas, um palhaço deve perguntar para o outro: “Como vai, como vai, como vai?”. O parceiro responde: “Muito bem, muito bem, muito bem”. O diálogo é repetido, sendo que o palhaço que perguntou agora responde e vice-versa. Esta conversa foi praticada pelos alunos anteriormente, que deveriam dizer as falas com quem encontrassem pela frente. Depois de familiarizados com o diálogo, dividimos o espaço em palco e platéia e cada dupla encena a conversa para o grupo, de um jeito mais criativo.

Correu tudo muito bem. É claro que ainda estavam pegando o jeito, alguns se atrapalhavam um pouco no diálogo e nem todos ousaram tanto na sua apresentação. Tivemos contudo uma feliz surpresa com A., que sempre se mostrou muito tímido (fala bem baixinho, não quis fazer o Iupi) e na sua vez brincou com o corpo e se expressou como ninguém!

Finalizamos o momento dos palhaços com uma despedida das duplas, que foi seguida com o relaxamento para encerrar a aula. Na nossa conversa de avaliação, dois depoimentos interessantes surgiram. Um foi de L., que alegou achar essa coisa de palhaço muito infantil... Eu tenho percebido uma queda no interesse dela de umas aulas pra cá, mas talvez seja o processo dela mesmo, porque sua opinião foi imediatamente contestada pela turma.

O outro foi do próprio A. que, pela primeira vez, se abriu conosco e compartilhou suas dificuldades em falar em público, falar alto, sua timidez. Na hora apontamos para a conquista dele no exercício do “Como vai...?” e Renata ressaltou a importância de usar o corpo também, como uma forma de se expressar.

Acho que esta aula foi importante pra ele, o exercício das palmas, do picadeiro, o depoimento. Antonio deu um grande passo.

E tudo continua andando pra frente...

Palmas a este grupo, por ele ser do jeito que ele é.

Obs: Aula que vem é o dia do figurino e do batizado dos palhaços! Grandes expectativas no ar... Entregamos a eles um convite para uma “festa de palhaços”, para que tragam roupas e junto com algumas minhas e de Renata, montemos um figurino pra cada um. Mais um dia especial por aí...


Referência:

BURNIER, Luis Otavio. O clown. In: A arte de ator: da técnica à representação. Campinas: Unicamp, 2001. (p. 205-221)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Por que Não? (Aula 07/02)

O tão prometido dia de colocar o nariz pela primeira vez...

Estava super nervosa com o dia do nariz. Apesar de já fazer esse trabalho desde 2006, as circunstâncias sempre foram muito diferentes. Meus alunos no Pestalozzi tinham deficiências que comprometiam bem mais suas capacidades de compreensão, comunicação, expressão... Era difícil alguém saber escrever seu nome, nem todos falavam de forma articulada e por aí vai. O contexto em que eu trabalhava implicava em uma série de mudanças nos exercícios e nas metodologias que eu havia aprendido, de forma a melhor se adequar para aquele público e atender às suas necessidades.

Uma dessas mudanças era o primeiro dia do nariz. No Pestalozzi, as primeiras oportunidades com o nariz de palhaço eram feitas individualmente. Cada um tinha o seu momento de colocar o nariz, porque era um elemento estranho, eles se distraíam facilmente e alguns se excitavam muito com aquela máscara. Fora isso, a maioria deles precisava de ajuda para colocá-la. As vivências em grupo com o palhaço, todos ao mesmo tempo, só vinham um tempo depois, quando eles já estavam mais habituados com o processo.

Essa turma do Xisto é diferente. Junto com Renata, estou propondo atividades que nunca tinha usado antes, ousando mais, indo mais a fundo... O grupo em geral entende bem os comandos e as orientações de cada jogo e nosso planejamento das aulas está cada vez mais afinado com o contexto da turma. Por que não, então, experimentarem o nariz todos juntos? Decisão tomada, portanto. Mas um coração nervoso que só...

Desde os primeiros dias de aula, todo o processo foi pensado para chegar até aqui, o momento de colocar o nariz. A idéia de que o palhaço é uma extensão de si mesmo, uma face sua mais dilatada, em que você tem liberdade para mostrar seus ridículos, suas bobagens. Que o nariz ao mesmo tempo te protege e te liberta, te dá “o prazer de estar presente” e “a alegria de ser quem é”. Que tudo bem andar diferente, mancando, ter uma mão menor que a outra, falar estranho... tudo ótimo! Pro palhaço isso é um presente, cada particularidade da pessoa é que faz o palhaço ser especial como ele é. Tudo isso foi dito, redito, pensado, trabalhado e vivido pelo grupo.

O momento da aula antes de colocar o nariz, uma espécie de preparação, foi também pensado nesse sentido. A sequência dos quatro exercícios escolhidos foi articulada de modo a trabalhar os mandamentos, os princípios que acreditamos no palhaço (acima descritos) e o estado do jogo (afinal, eles deveriam estar prontos para brincar!).

Para começar, repetimos o “escravos de Jó” após o aquecimento. Pasmem: a segunda vez que fizemos foi mais difícil que a primeira! Eles se confundiram mais, demoraram mais a entrar no jogo... Eu, dessa vez, não me arrisco a tecer hipóteses porque sinceramente não faço idéia dos motivos para essa diferente resposta. Não sei...

Passamos então para uma atividade que eu gosto muito, de olhar no olho, que havíamos feito no encerramento de uma aula dias atrás e desde lá aguardamos o momento certo para repeti-la. Nessa segunda vivência, para deixá-los mais à vontade (quando fizeram o exercício pela primeira vez olharam muito rápido, com pressa e sem tranqüilidade para olhar no olho dos colegas e ser olhado de volta) e trabalhar os princípios aqui já expostos, eu narrava o momento de cada um, dando estímulos para que sentissem, além da “solidão”, o “prazer em estar presente” e a “alegria de ser quem é”.

Inspirada no Angela de Castro way of teaching (risos), os comentários que eu fazia seguiam a seguinte linha: eu (cada aluno) sou massa, super interessante, justamente porque sou do jeito que só eu sou. Eu falava na primeira pessoa, como se fosse a voz de quem estava no centro, coisas do tipo: “Opa... Tudo bem? Tão me olhando... Me acharam interessante? Eu sou mesmo! Vocês também são. Vocês viram como eu tenho uma mão diferente da outra? Viram que bacana? Pensando o que? É só pra quem pode... Se tivesse loja de mão, minha mãozinha ia ser a mais cara! Porque ela é super exclusiva!”.

Foi absolutamente lindo. Eu fiquei em alguns momentos emocionada com a reação de cada um. Eles se sentiam mais à vontade em ficar no centro (não fugiam!) e iam visivelmente acreditando, concordando e enfatizando os meus comentários! Os olhinhos brilhavam, sorriam, concordavam com a cabeça, mostravam o corpo... Lindo de ver.

Depois fizemos o “Iupiiiiii!!!!”, um por um. Dessa vez o grito foi apresentado enquanto exercício, do jeito que nós palhaços filhos de Casali (e de Angela) aprendemos. Fizeram um por um e eu nunca me diverti tanto com o Iupi na minha vida! Teve quem urrou no grito, caiu no chão, continuou correndo até quase atravessar o espelho... Foi engraçadíssimo.

Houve quem, contudo, relutou em fazer o exercício. Eu, que achava ele tão leve, divertido... Pensando bem, de fato quem está ali fica numa situação bastante ridícula: corre, pula, grita, pára em pose hilária e todo mundo olhando. Dos oito, três enrolaram um pouco para fazer, mas fizeram. Desses três, um só aceitou quando Renata prometeu fazer junto com ele. Fez, mas saímos da aula com a impressão de que ele ainda tem muitos nós pra desatar, timidez, insegurança. Alguém pra ter mais cuidado e atenção.

Após o Iupi, Renata apresentou alguns exercícios que aprendeu com Thierry Trémouroux, um ator e palhaço belga. Na primeira parte, divididos em duplas os alunos riem, choram, riemXchoram olhando pro seu parceiro. Na segunda parte, ficam todos no chão, como se fossem baratas, enquanto Renata “passa inseticida” neles, que devem se contorcer, gritar, o que vier na hora. Uma sequência para aquecer, brincar, se expor, se mostrar ridículo e deixar o corpo falar por si só.

Chega, então, o momento de botar o nariz. Cada um recebeu o seu aleatoriamente (eu tenho oito narizes vermelhos de látex em diferentes formatos e a distribuição foi feita no susto... na próxima será feita com mais critério, pra combinar com o rosto e o jeito de cada um) e ficou num cantinho aguardando pra colocar o nariz, enquanto eu lembrava tudo o que trabalhamos até ali. Colocaram os narizes (houve quem precisasse de apoio), viraram, olharam os colegas... Depois dançaram. Sozinhos, juntos, em duplas...

O momento do nariz acabou sendo menor do que o planejado (atrasamos um pouco demais para começar a aula), mas foi tão tranqüilo, natural, que só horas mais tarde que eu me toquei: não apareceu nenhum Patati Patatá! Nada contra, cada um faz o trabalho que acredita, mas não é nesse palhaço que eu boto fé, creio e pesquiso. Não é essa idéia de palhaço que propomos nesse curso e, naturalmente, não é o que esperamos que eles tragam. A idéia era um palhaço bem próximo ao que eles são, mais natural, sem grandes esforços para ser engraçado ou ridículo. Afinal, eles têm o privilégio de já se apresentarem ridículos sem intenção nenhuma! Não é todo mundo que tem uma perna diferente da outra, um bocão, um corpão enorme, uma vaidade que chega a ser hilária... O palhaço tem mais é que aproveitar isso que eles têm.

Sinceramente: bom trabalho! Para eles e pra nós duas. Ah... Eu tenho o direito de ficar feliz com o que faço! Por que não?

domingo, 6 de fevereiro de 2011

13, que são 14, que são 25, que são 13, que são 15, que são... han?

Quando fiz minha iniciação com Alexandre Luis Casali, em 2007 (quando eu já tinha 03 anos de palhaça e ainda andava perdida pelo mundo do nariz vermelho), ele apresentou de forma muito bonita os “Os 13 – que são 14 – Comandamentos do Palhaço”. Trata-se de mandamentos, princípios, valores que o palhaço tem dentro de si. São palavras ou termos como “o prazer de estar presente”, “a alegria de ser quem é”, a “curiosidade”.

Foi muito lindo ouvi-lo falar sobre todas aquelas maravilhas, como esses comandamentos se relacionavam com o palhaço, e, quando decidi entrar no campo da educação especial logo vi que tais comandamentos estavam ligados também à pessoa com deficiência intelectual. Eu já teorizava a respeito na época de meu TCC que estudava a mesma temática, mas não sabia como implementá-los na prática em sala de aula. Até que eu conheci Angela de Castro...

Ai, Angela de Castro... Falo muito dela, mas tenho todos os motivos do mundo. Casali e de Castro foram divisores de águas na minha vida sim, digo sem rodeios, nas vidas de palhaça e de professora. Alexandre aprendeu os “Comandamentos” com de Castro, com quem ele fez oficina duas vezes e que ele chama de sua madrinha. Esta e tantas outras coisas que aprendeu com ela, introduziu no seu próprio curso, que mescla com maestria exercícios de Angela, do LUME, de Xuxu e outras referências mais (passes mágicos, dança circular sagrada...). A oficina de Xande é um mergulho intensivo e profundo de quatro finais de semana, dias inteiros. Eu conheço muita gente que fez curso com ele (Casali é responsável por quase todos os “partos” de palhaço de Salvador) e é praticamente unânime a visão de que quem faz sai transformado. Parece até terapia, mas para alguns chega perto disso.

Angela de Castro é Mestra com M maiúsculo. Quando você ouve muito a respeito de alguém, fica cheio de expectativas e corre os riscos de ir cheio de preconceitos ou se decepcionar. Cheguei no primeiro dia de sua oficina numa mistura de nervosismo e deslumbramento, sem fazer a mínima idéia do que esperar realmente dela. E ela me encantou. De verdade. Uma generosidade, uma habilidade na condução dos exercícios e uma clareza na explicação deles que são de deixar qualquer professora embasbacada. Eu nos meus anos de escola, faculdade de teatro, pós-graduação, cursos de palhaço... nunca aprendi com alguém como ela. E no seu método (ela insiste em afirmar que não sabe se tem “um método”, mas meio mundo acha que sim), o que mais me impressionou foi como ela apresenta os “Comandamentos”.

De Castro apresenta e trabalha os “Comandamentos” durante todo o curso, do primeiro ao último exercício, explicitando de forma bem didática como cada atividade aborda o comandamento em questão e como nós podemos fazer para trabalhá-los. Incrível como ela deixa tudo claro, limpo, iluminado. É um estalo na cabeça: “É mesmo! Eu sempre brinquei de record e nunca pensei nisso!”

Os “treze que são catorze” da época que Alexandre aprendeu, hoje aumentaram para vinte e cinco “Comandamentos do Palhaço” (isso até dezembro de 2010...). Cito aqui um por um, para que quem tiver interesse tenha a mesma oportunidade que eu tive:

O prazer de estar presente (que ela explica estar diretamente ligado com o carisma); estar no momento; compromisso (querer fazer); felicidade de estar fazendo; alegria de ser quem é; amor; honestidade; generosidade; simplicidade; coragem; disciplina; curiosidade; deslumbramento; liberdade; inocência; ingenuidade; esperança; cumplicidade; solidão; divertimento; entrega; aceitação; leveza; serenidade; estado do jogo.

Desses vinte e cinco, escolhi treze-que-são-quinze por aproximação ou necessidade de ser trabalhado com o grupo, que foram devidamente apresentados na última aula, do dia 31/01/2011. Esta aula foi novidade dentre os planejamentos que tenho feito nessa área desde 2006 e surgiu fruto da experiência com de Castro de do dois de fevereiro.

Explico: Não foi Yemanjá que inspirou a aula não... Acontece que Renata e eu havíamos programado um cronograma com X números de aulas, X carga horária, sem pensar que no dia 02/02 a cidade pára e chegar no centro da cidade seria uma tarefa bem difícil... Mudamos tudo, colocamos o dia do bufão um dia antes, o dia do nariz um dia depois e, no meio deles, um dia dos comandamentos. Seria uma aula para aplicar exercícios necessários antes de colocar o nariz pela primeira vez e de apresentar ao grupo os comandamentos que, para efeitos de simplificação, chamamos de “Mandamentos do Palhaço”.

Os então mandamentos foram trabalhados durante todo o encontro, divididos em exercícios específicos e reforçados sempre que foi oportuno.

O “divertimento” foi trabalhado com o Escravos de Jó – versão Nariz de Cogumelo, juntamente com a “Inocência e Ingenuidade”. Uma brincadeira de criança, que no Nariz de Cogumelo (grupo de palhaços que faço parte) aprendi a substituir os objetos pelos nossos próprios corpos: em vez de passar o objeto pro lado, tirar, botar, deixar o zebelê ficar... nós é que pulamos pro lado, saímos da roda, voltamos pra ela e ficamos no lugar. A brincadeira sempre foi um sucesso com outros alunos meus e pela primeira vez tentei fazer com deficientes. E deu super certo! Eles entenderam a movimentação e, ainda que tenha havido alguns atropelamentos (rs), conseguimos jogar e rodar.

Renata acrescentou mais um comando na marcha dos palhaços, o “abre a roda” e no treinamento da marcha treinamos também a “disciplina”. O exercício do João Bobo (fica uma pessoa de olhos fechados e pés cravados no chão no centro da roda, ela deixa o corpo cair, que será manipulado pela turma, que a joga de um lado para o outro com cuidado e atenção) foi proposto também por Renata, quando apresentamos a “coragem” e a “entrega”. É lógico que não foram todos que se soltaram e confiaram nos colegas (como geralmente nunca o é, seja como for o grupo), mas o João Bobo correu bem e acho inclusive que podemos repeti-lo em outra oportunidade.

“Amor”, “aceitação” e “simplicidade” foram trabalhados no nosso “Eu te amo porque...”. A proposta era andar pela sala e, ao comando do apito, falar “eu te amo porque...” para quem estivesse perto, sendo que o final da frase deveria ser algo simples, imediato, sem tempo pra pensar e a pessoa que recebe deve apenas aceitar o que foi dito, para então falar na sua vez. Vários complementos foram ditos, no espírito desse jogo, desde “porque você é simpático” até “porque você é gordo, alto...”.

Para tratar da “curiosidade” e do “deslumbramento”, e também introduzir sutilmente o jogo de máscara que faz o nariz do palhaço, propomos o jogo da bolinha, em que o participante solta uma bolinha no chão e deve segui-la não com os olhos, mas com o nariz. Eu conhecia o jogo por uma oficina que assisti de penetra com o palhaço Xuxu (Luis Carlos Vasconcelos-PB), e Renata por outras referências. Eu estava muito cética quanto à aplicação dele e... tapa na cara com luva de pelica! Deu super certo. Fizemos um por um e depois o grupo todo deveria seguir a bola, com o corpo (achamos que com o nariz seria ainda delicado demais). Lindo de ver.

Por último, os mandamentos da “solidão”, “prazer em estar presente” e “alegria de ser quem é”, numa atividade longa, que misturou uma prática que Renata fez com os Insênicos e um exercício que fiz com Pepe Nuñez e de Castro. A atividade tinha várias etapas: cada participante se isolava em um canto da sala, para pensar “por que eu sou especial” e em como apresentar isso para o grupo; o grupo foi dividido em palco-platéia, para que cada um apresentasse o que pensou; um por vez, o participante sai da sala, enquanto a professora orienta o grupo para o que viria a seguir; a pessoa entra em silêncio, pára em um ponto em frente à platéia e abre os braços; a turma, como platéia, aplaude muito a pessoa que está ali diante, grita, vibra, até que a professora peça para parar; após receber os aplausos, o participante então faz sua apresentação e fala/mostra “por que eu sou especial”.

Este último momento foi muito bonito. Tivemos alguns depoimentos tocantes, já outros pareciam um pouco perdidos... Mas a sensação de receber os aplausos do grupo foi visivelmente emocionante em todos. Houve quem, inclusive, enchesse os olhos de lágrima. Planejamos repetir a parte dos aplausos, com nariz.

Minha preocupação ali foi com um aluno, que parece um tanto quanto obcecado no assunto dos programas sensacionalistas, a ponto de que tivemos que falar sério com ele, para que deixasse para falar nisso na hora certa e respeitasse o momento dos colegas.

Aula que vem, segunda, é o dia de colocar o nariz pela primeira vez. O dia mais esperado da oficina, tanto pelos alunos, quanto pelas professoras.

Todos à bordo rumo à Terra do Por Que Não?.