quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Um passeio pela caverna (Aula 26/01)

“Menina, e essa chuva?”

“Das duas, uma. Ou eles já saíram de casa, ou eles não saíram e aí...”

“É. Vamos de qualquer forma, né? Pra ver quem aparece.”

“Sim. Já estou a caminho”.

10 minutos depois:

“Olha, fique feliz porque você já tem quatro bufõezinhos!”

Cheguei no Xisto atrasada. Molhada da chuva que peguei na porta de casa. Waldemar Falcão alagada, Vasco da Gama alagada... A notícia dos quatro presentes já era muito boa e eu não esperava muito mais do que isso.

Lá, já eram cinco. Renata e eu entramos na sala primeiro, para cobrir o espelho com o cami preto de 11m que compramos. O objetivo era não só evitar que os alunos fiquem se olhando no espelho e assim se distraíssem da proposta, mas também ajudar a escurecer a sala para criar um clima mais intimista durante a aula. Espelho devidamente coberto, chamamos os alunos. Seis, sete e finalmente oito (o último chegou quando já passavam-se 10 minutos de aula).

Essa quarta foi o dia do bufão...

((Como esse dia é bem diferente, eu gasto um bom tempo deste relato falando sobre o bufão, os porquês desta escolha e a narrativa desta aula. Portanto, aviso desde já que este post é ainda (bem) maior do que os outros. Se tiverem paciência, leiam até o fim porque acho sinceramente que vale à pena...))

Dentre as figuras mais representativas do corpo e do cômico do realismo grotesco, está o bufão. Os bufões são os personagens característicos da Idade Média, “os veículos permanentes e consagrados do princípio carnavalesco na vida cotidiana” (BAKTIN, 1987, p. 7). Não eram atores que representavam um papel, mas, como uma espécie de fronteira entre a vida e a arte, o real e o irreal, eram bufões por toda a vida.

O bufão é a personificação do grotesco. Manifesta com liberdade e exagero os sentimentos e as necessidades humanas e o faz desprovido de qualquer vergonha ou pudor. Os bufões debochavam das instituições oficiais e das convenções sociais, pois não tinham nada a temer: escória da humanidade, o bufão nada mais tinha a perder. Dos três grandes medos do homem – a morte, o banimento e a loucura – o bufão só teme o primeiro, pois dos demais está provido por inteiro (CARMONA, 2004).

Com a modernidade, o bufão, que encontrou seu apogeu na Idade Média, transformou-se também num estilo de comicidade muito singular, onde o corpo grotesco e o discurso paródico são a mola propulsora para a criação cênica. Os estudos de bufão são trabalhados por escolas de renome internacional, como as de Phillipe Gaulier (Londres) e Jacques Lecoq (Paris) e, no Brasil, foi/é estudado por pesquisadores como Luís Otávio Burnier (Campinas) e Daniela Carmona (Porto Alegre).

Até 2007, todo o conhecimento que eu tinha em relação a um trabalho com o bufão vinha de registros contados por colegas palhaços que tinham participado de iniciações em que o bufão fazia parte da metodologia utilizada. Minha primeira iniciação como palhaça, orientada pelo argentino Diego Outon, não abordava o bufão ou o grotesco e foi só em Agosto do citado ano que, ao participar da oficina de Iniciação à Arte do Palhaço com Alexandre Luis Casali, experimentei pela primeira vez um corpo grotesco, um corpo de bufão.

O ‘dia do bufão’, na iniciação com Casali, foi para mim um marco no curso e na vida. Como atriz e palhaça, descobri o prazer de deformar o corpo, desfrutar das escatologias, sexualidades e palavreados que tanto insistimos em refrear. Como mulher, vivi uma verdadeira catarse, onde chorei, gritei e até descobri que desejava a separação do pai do meu filho. Como professora de educação especial, vi ali a possibilidade de um momento de trabalho em que o grosseiro e o bizarro, ao mesmo tempo tão presentes e tão renegados naqueles corpos deficientes, fosse experimentado pedagogicamente. E esta foi a minha escolha.

A presença do bufão como parte das escolhas pedagógicas foi ocasionalmente questionada durante o meu mestrado, pela conseqüente necessidade de um aprofundamento no assunto. Contudo, a opção que faço é de manter essa figura grotesca como trecho dessa estrada, por reconhecer cada vez mais o potencial deste trabalho, por sua identificação e possíveis contribuições ao deficiente intelectual.

Assim como o bufão carrega no corpo as cicatrizes de sua condição de exclusão e banimento (CARMONA, 2004), o corpo da pessoa deficiente traz os traços da sua deficiência, seja por fatores fisiológicos ou morfológicos, seja por uma aquisição de posturas sociais, motivadas por questões específicas de tratamento ou institucionalização.

O adulto com deficiência intelectual muitas vezes apresenta deformidades corporais, causadas ora pela própria síndrome que tem (a exemplo da Síndrome de Down, que traz como uma das características os olhos puxados e afastados), pelas conseqüências de sua deficiência (como a dificuldade na coordenação motora), ora pelas já mencionadas posturas sociais (corcundas, cabeça baixa, ombros recolhidos).

O grotesco está presente no deficiente intelectual também no controle das necessidades fisiológicas do corpo. O corpo grotesco aproxima o homem da sua condição de animal e das forças do baixo ventre: a fome, a sexualidade, as escatologias. A pessoa deficiente intelectual muitas vezes é desprovida de pudores ou valores morais que lhe privem de expressar seus desejos por comida, sua sexualidade e suas necessidades fisiológicas. É comum que beijem, abracem e toquem ‘em excesso’, que comam mais vorazmente do que costumamos presenciar e que não tenham tanto controle nas escatologias do corpo (a exemplo de um aluno meu de 2007 que não tinha qualquer controle da saliva – andava com uma fralda de pano à mão).

Baktin (1987) define a concepção grotesca de corpo como a consciência da eterna incompletude, da imperfeição. Freire (2004) defende que a inconclusão e o inacabamento do ser humano são próprios da experiência vital: “Onde há vida, há inacabamento”. O inacabamento é próprio também da deficiência. A pessoa com deficiência possui na sua constituição morfológica do cérebro, nas suas possibilidades de comunicação e locomoção e nos seus sentidos a concretização da incompletude, da inconclusão daquilo que seria esperado como ‘normal’.

Os processos de trabalho com o bufão, como escolha estética de comicidade, são inspirados tanto nas tradições medievais como nos chamados bufões sociais da atualidade: os mendigos, os bêbados, anões, corcundas, loucos, deficientes... Segundo Carmona (2004), Gaulier e Lecoq propunham a condução de deformações no corpo, como barrigas, corcundas e aleijos. Busca-se alcançar por meio de pesquisa o corpo grotesco com que a pessoa deficiente e outros bufões sociais interferem socialmente.

A preparação para a bufonaria proposta por mim em sala de aula não segue uma linha de exaustão física ou catarse, como eu experimentei com Casali, mas de fantasia: “O trabalho dos bufões está ligado a um espírito de brincadeira” (LECOQ, 2010, p. 189). Por considerar as dificuldades dos alunos com o trabalho físico e a pré-disposição ao grotesco (ao contrário de um iniciante ao palhaço ‘comum’, cheio de vícios e pudores cotidianos), o foco ficou no convite ao mundo às avessas, ao espaço da liberdade, ao tempo da abundância.

Os alunos, após um aquecimento do corpo, são chamados a dormir, para dali renascerem em uma gruta, escura, fétida e repleta de pequenos animais viscosos e bizarros. Nesta caverna, as escatologias e as vontades de um corpo que elimina sons, líquidos, gases, são não apenas permitidas, como bem-vindas. O aluno levanta-se e experimenta o exagero das suas próprias deformações de corpo e de voz, seus grunhidos, gestos e caretas.

Após um trabalho individual, os alunos são convidados a trabalharem em grupo, em bandos. Segundo Lecoq (2010) e Burnier (2001), os bufões, por serem marginais e marginalizados, vivem em bandos hierarquicamente organizados. O bando de bufões tem linguagens próprias, regras restritas e papéis bem definidos, onde cada bufão funciona como parte de um único organismo. O bufão encontra no bando sua força e proteção: “Solitário, ele é frágil e facilmente exposto às humilhações da sociedade” (BURNIER, 2001, p. 216). Em bando, eles experimentam atuar coletivamente com ações que representem necessidades primárias do corpo, como defecar, urinar, comer, beber e regurgitar.

É proposta então a formação de dois bandos, que devem se preparar para ir à luta (eu sussurrei para cada bando estímulos que provocassem neles a vontade de guerrear). A guerra, para o bufão, não é lugar de agressão, mas de divertimento. Lecoq (2010) afirma que os bufões se divertem o tempo todo, zombando da sociedade e imitando a vida dos homens: “Fazer uma guerra, lutar, estirpar-se os deixa felizes” (p. 181). Para evitar que eles se machuquem, os alunos foram orientados a lutar sem se tocar...

Após a guerra, é a hora do carnaval. Da festa, da abundância, do riso e da dança. Os bufões são convidados a dançar e se divertirem, até que a hora de dormir chegue outra vez. Após a última dança, pede-se que os alunos voltem aos seus cantos, no chão, para aos poucos tranqüilizarem seus corpos e deitarem. O clima muda e, como num último suspiro, despedem-se daquele submundo para nascer mais uma vez.

Essa é basicamente a narrativa do processo utilizado nesta quarta, durante a oficina. Renata ficou responsável pelo aquecimento, desaquecimento, avaliação, registro e apoio da aula. Eu fiquei com a parte do bufão em si.

A turma respondeu com energia e vontade à nossa diferente proposta. A sala foi escurecida e só acendemos as luzes quando os alunos ‘acordaram’ novamente após aquela vivência.

Foi necessário, como era de se esperar, estimular o trabalho o tempo todo. Eu falava, gritava, me mexia, no intuito de não ‘deixar a peteca cair’. E, apesar de alguns alunos que se distraíam ou cansavam certas vezes, a peteca do grupo não caiu. Afirmo, contudo, que até os que rejeitavam alguma provocação nossa nos trouxeram presentes revelando um pouco mais deles mesmos, o que serve e muito para o trabalho do palhaço de cada um que está por vir: um que achava tudo nojento (“ecaaa!”), outra que quer permanecer aparentando bonita de qualquer jeito...

Tivemos momentos inesquecíveis, certos andares, certos grunhidos que surgiram... A comilança e a guerra foram vividos com entrega unânime dos alunos. Eles se jogaram no chão pra comer, batalharam com toda a vontade do mundo, farrearam e, por fim, deitaram exaustos no chão. Exaustos, acabados. O trabalho do bufão que estava previsto para ser feito em 70 dos 120 minutos da aula aconteceu em 50 minutos, por causa do atraso e do notável cansaço dos alunos. Comentei com Renata que chegamos ao limite deles. Nem menos, porque eles deram o que tinha que dar até o último momento, nem mais, porque se ficássemos ali por mais tempo provavelmente não seriam todos que agüentariam permanecer no processo.

O processo foi encerrado por mim e Renata, que emendou com o relaxamento. Desta vez, não fizemos uma avaliação verbal ou fizemos uma retrospectiva da aula. Ontem, a idéia era viver, refletir e guardar pra si. No lugar da avaliação costumeira, distribuímos lápis, giz de cera, hidrocor e papel, para que cada desenhasse as suas impressões da aula. Terminados os desenhos, cada aluno descreveu sua visão em poucas palavras. Dos oito participantes, somente três compreenderam e atenderam ao pedido, desenhando sempre a caverna onde iniciamos a vivência. Os outros cinco ilustraram figuras aleatórias, como mar, barco, casa. Talvez um desenho que costumam fazer, não sei...

Uma rodada de olhares para finalizar o dia, antes do beijo na mão. (Precisamos repetir este exercício, pois muitos não conseguem olhar no olho do colega com calma e passam correndo por cada um.)

A aula acabou. Voltei para casa cansadíssima, suada, com dor na coluna e poucas palavras. Contente e ‘orgulhosa’ daqueles bufõezinhos que foram soltos na quarta-feira e voltaram à caverna para dormir.

O dia do bufão é sempre inesquecível...


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*Fotos por: Renata Berenstein

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Referências

BAKTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: HUCITEC, 1987.

BURNIER, Luis Otavio. O clown. In: A arte de ator: da técnica à representação. Campinas: Unicamp, 2001. P. 205-221.

CAMPOS, Fernanda N. O grotesco no corpo do louco e do artista: dois distintos semelhantes. Ribeirão Preto: EERP – USP, 2008. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2010.

CARMONA, Daniela; BARBOSA, Zé Adão. Teatro: atuando, dirigindo, ensaiando. Porto Alegre: Artes e ofícios, 2004.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da tolerância. São Paulo: UNESP, 2005.

_____________. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

FOURNIER, Jean-Louis. Aonde a gente vai, papai? Tradução de Marcelo Jacques de Moraes. Rio de Janeiro: Intríseca, 2009.

HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime: tradução do “Prefácio de Cromwell”. Tradução e notas de Celia Berretini. São Paulo: Perspectiva, 1988.

LECOQ, Jacques. Os caminhos da criação: os bufões. In: O corpo poético: uma pedagogia da criação teatral. Coma colaboração de Jean-Gabriel Carasso e de Jean-Claude Lallias. Tradução de Marcelo Gomes. São Paulo: Senac São Paulo, 2010. P. 178-190.

MORI, Nerli N. R. O Corcunda de Notre-Dame: grotesco, sublime e deficiência na Idade Média. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 34, p. 199-210, jun. 2009. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2010.

PROPP, Vladimir. Comicidade e Riso. São Paulo: Ática, 1992.

THEBAS, Cláudio. O livro do palhaço. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2005.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Marchando nos jardins da razão... (Aula 24/01)

Aula 5... Aí vamos nós...

Última aula antes do dia do bufão. Fechamos um ciclo, dos primeiros jogos, primeiros exercícios. É o último dia antes de entrar diretamente no fantástico mundo do palhaço (isso se contarmos o bufão como parte desse mundo... o que eu conto... diria que o bufão é o “primo feio” do palhaço... rs).

Com o pouco tempo que tivemos até então, a idéia era até a quinta aula trabalhar alguns aspectos que notamos serem demandados pelo grupo e que precisamos para chegar ao trabalho de bufão e, posteriormente, do palhaço. Passamos algumas aulas brincando bastante, pra mexer aqueles corpos, despertar o estado do jogo, trabalhar em equipe e sim, se divertir.

Em outros momentos concentramos a atividade no gr

upo, na formação de um grupo e manutenção do mesmo. Esse trabalho foi importantíssimo não apenas por ser um processo de arte-educação, mas também porque planejamos introduzir, pincelar, dar um gostinho do bufão e neste aguardado dia o “bando de bufões” será apresentado com destaque à turma.

Por fim e por princípio, trabalhamos o auto-conhecimento e a sensibilização que tanto vêm a calhar em uma oficina de palhaço. Para esta oficina, acreditamos em uma metodologia que aprofunde o auto-conhecime

nto do aluno e a sua presença e expressão perante a sociedade enquanto não apenas ciente, mas orgulhoso das especificidades do seu corpo e do seu jeito de ser. Como são vistos pelos colegas, como cada um deles se vê, o que acham ser belo em seus corpos e o que acham ser esquisito; a apreciação das suas diferenças e das suas “esquisitices”, enquanto unicidades da sua pessoa e verdadeiros presentes para o palhaço.

Na aula do dia 24/01, o encontro foi dividido em dois momentos, em que exercitamos os dois pontos acima citados: o grupo e o indivíduo. Este último ocupou a primeira parte da aula e, se na quarta passada propomos à turma que listasse as características físicas de cada colega, hoje a proposta inicial foi de uma apreciação individual.

Em frente ao espelho (para o alívio de alguns alunos que sempre escapavam o olhar e as professoras gritavam “esquece o espelho!!!”) a uma distância que desse para ver seu corpo todo e nada mais, o exercício foi executado em três partes (que deveriam ser feitas em silêncio): observar as partes do seu corpo e lembrar dos comentários da aula anterior; escolher a parte do corpo que ache mais bonita e tocar nela; escolher a parte que ache mais esquisita e tocar nela. A partir daí, os alunos saíram da frente do espelho e andaram pela sala de forma a exagerar a parte eleita como a mais esquisita e exibi-la para o grupo: “Exagera essa parte esquisita! Mostra como ela é esquisita! Aqui é um concurso da pessoa mais esquisita e você tá doido pra ganhar! Você tem muito orgulho dessa parte estranha do seu corpo porque só você tem ela desse jeito! Quem é que tem um barrigão assim? Um braço assim?”.

Eu, que fiquei mais à frente dessa atividade, notei a dificuldade de alguns em andar exagerando a parte do corpo em questão e, de outros, em manter esse andar. Foi necessário estimular o tempo todo, incentivar o exagero, as possibilidades de andar. Alguns escolheram partes que saltam aos olhos de quem os vê, como a barriga grande, a coxa grossa ou o braço atrofiado. Outros fizeram escolhas que eu compreendi menos, os braços, o nariz, as orelhas.

Me surpreendeu um dos alunos, que tem problemas no lado direito do corpo e escolheu as orelhas como a parte mais estranha. Eu não disse nada, lógico, mas fiquei um bom tempo pensando nisso e, só hoje (2 dias depois), cheguei à não-conclusão: Será que há falta de capacidade nele em identificar a parte do corpo diferente? Será que ele acha que é a perna ou o braço direito, mas tem timidez em mostrar? Ou, será ainda, que é minha a falta de capacidade em reconhecer que ele pode achar – sim – seu braço e perna nada estranhos e identificar a seu critério (e tem que ser seu mesmo) que suas orelhas são um tanto quanto esquisitas? Eis uma questão que talvez eu nunca responda, ou quem sabe responda mais tarde... É, Chico Science... Você afirmou, eu pergunto: mas há fronteiras nos jardins da razão?

Daí trabalhamos máscaras faciais e andanças com dificuldades no corpo (se locomover sem mexer os braços, sem mexer a bunda, sem usar os pés, sem mexer as pernas, de barriga pra baixo, arrastando as costas no chão e por aí vai...). As duas atividades foram muito bem recebidas e tivemos boas respostas do grupo que fez caretas, se jogou no chão, se arrastou, rastejou e até pulou que nem sapinho!

O segundo momento da aula foi especial porque pela primeira e provável última vez até o dia da saída nós tiramos os alunos do Xisto e saímos para andar ali pelos Barris. Após lembrar com eles os códigos para as andanças em grupo que estabelecemos aula passada (parar, andar, meia-volta, bolinho, fila, som de abelha), preparamos a turma e andamos pelos corredores do Xisto, subimos a ladeira que dá pra rua e seguimos nos Barris em direção a uma pracinha que fica nos arredores. Marchando, claro.

A experiência foi sugestão de Renata, que experimentou algo nesse sentido com o grupo d’Os Insênicos e conosco foi realmente uma delícia. Tivemos que em alguns momentos organizar a fila, estimular pra que eles cantassem nosso hino mais alto (“Marcha, palhaços...”), enfim, segurar a onda de um grupo que por vezes se distraía. Porém, foi muito mais tranqüila essa saída do que eu esperava. Renata e eu nos organizamos de modo que sempre ficasse uma à frente e outra no fundo, pra preservar a unidade do grupo e garantir a segurança deles. Eu sinceramente achava que eles iam se desligar um pouco da proposta com tanta informação (transeunte, carro, vendedor de rua, criança brincando, jogo de futebol...) e que seria bem trabalhoso.

Voltamos para a sala para a finalização e avaliação da aula, quando ouvimos comentários muito interessantes sobre o dia. Impressionante como notaram coisas na rua, detalhes observados por um olhar de palhaço que tudo vê e tudo acha interessante. Outros gostaram de ser vistos, despertado curiosidade... Aquela fila mais que especial literalmente parou o trânsito!

Em um depoimento interessantíssimo, escutamos: “Eu gostei porque eles gostaram do meu aspecto”.

Marchemos então.

Palhaços sem fronteiras nos jardins da razão.


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*Fotos por: Renata Berenstein

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Marcha, palhaços! (aula 19/01)

Chuva de novo. Aiaiai... Vamos lá.

A aula como sempre começou uns minutinhos atrasada, e com quatro dos seis alunos que ficaram de vir ontem (dois já tinham avisado da falta).

O grupo aos poucos assimila a rotina do aquecimento, que é quase sempre a mesma, e alguns já antecipam uns movimentos.

A aula de ontem teve basicamente duas partes, com dois conteúdos a serem trabalhados: uma parte de sensibilização e uma outra de trabalho de grupo.

A primeira utilizou exercícios que abordassem o olhar e o não-olhar, estimulando a observação do outro, o contato visual, o toque e a sensibilidade. Em um dos primeiros exercícios dessa fase, Renata e eu usamos uma atividade comum em iniciações de palhaço. Dessa vez, o grupo ficou sentado em círculo (eles cansam se ficam parados em pé por muito tempo) e uma pessoa ficou no centro. A pergunta feita aos que estão fora é “o que estou vendo nessa pessoa?” e eles devem descrever tudo que vêem e observam no corpo do colega. Não vale falar coisas da personalidade, ou quaisquer características que não possam ser notadas naquele momento (como se a pessoa é inteligente, se ela ronca, se ela sabe dançar). A pessoa que está no centro fica em pé e não pode fazer nenhum comentário às falas dos colegas. Todos passam pelo centro, inclusive as professoras. A proposta aqui é exercitar a observação do outro, tanto pela parte de quem vê como pela parte de quem é visto. O ambiente proposto é tranqüilo, não há espaços para julgamentos, sarcasmos ou constrangimentos.

Para apenas incentivar, começamos com observações mais simples, como “ele está de bermuda florida, ela está com as unhas pintadas” e aos poucos vamos estimulando maiores detalhes nos comentários: “as mãos dele são do mesmo tamanho? A barriga dela é grande ou pequena?”. Havia, na minha cabeça de capricorniana que gosta de criar hipótese pra tudo antes de experimentar, três possibilidades mais prováveis: 1 – eles seriam tímidos ou generalistas nos comentários (“ela é linda, ele é feio, eu não acho nada...”; 2 – eles levariam a atividade na brincadeira; 3 – levariam a sério demais, um ou outro se magoaria e... Pois então, nem precisava falar – mas eu vou – que mais uma vez essa turma me surpreendeu nas respostas aos exercícios. O grupo levou sério, se entregou e entendeu rapidinho como funcionava aquela atividade. Quem ficou de fora falou sem delongas ou grandes cuidados e, ao mesmo tempo, sem ironizar negativamente o corpo do colega. Quem estava no centro ouviu, esperou e se permitiu ser visto. Poucas foram as oportunidades em que precisamos intervir com um participante para que ele deixasse a atividade correr como deveria.

Infelizmente, dois alunos ficaram de fora desta atividade, pois chegaram na metade da mesma e, perdendo a explicação inicial e as primeiras rodadas, seria melhor que somente assistissem do que entrassem no meio daquele momento. Renata, responsável pela mediação de grupo, foi falar em particular com eles enquanto eu seguia com a atividade – uma ação que já havíamos combinado em reunião e acordado com os alunos nos primeiros dias de aula. Apesar de não entenderem de imediato nossa decisão de deixá-los assistindo até o próximo exercício, eles aceitaram bem a posição de observadores naquele momento, sem conflitos.

O trabalho do não-uso da visão e do toque foi feito com faixas que vendavam os alunos. Ora metade deles, quando enquanto um ficava com os olhos tapados um parceiro o guiava pelo espaço, ora o grupo todo, quando eles se reconheciam somente através do toque. Essas atividades correram bem. Ninguém se recusou a ficar de olhos vendados, tirou a faixa no meio do exercício ou “travou” ao ser guiado pela sua dupla.

A segunda parte foi um bloco proposto por Renata de exercícios que trabalham o grupo, andar em grupo. Essa foi uma dificuldade que notamos no primeiro dia de aula e que precisaria ser trabalhada ainda antes do dia do bufão (quarta que vem), quando a questão dos “bandos” será bastante trabalhada. Neste bloco, então, os alunos praticaram uma série de andanças que começaram em duplas, trios até formarem um só bloco de oito pessoas (contando com as professoras). Foram feitas formas diferentes de andar, até que estabelecemos alguns códigos (que provavelmente serão aproveitados na saída deles, dia 23/02). São eles: apito = andar; bater dos pratos = parar; pratos ao alto = dar meia volta; “pipoca” = todos juntos em bolinho; “linha reta” = todos em fileira.

Deste momento, saiu uma música, adaptação do “marcha, soldado”:

“Marcha, palhaço / Cabeça de papel / Quem não marchar direito / Não vai comer pastel...”.

Ficamos bem satisfeitas com essa quarta aula. Os alunos assimilaram bem as questões trabalhadas e as andanças em grupo funcionaram melhor do que esperávamos, já deixando expectativas para a saída e a aula que vem. Segunda 24.01 o plano é fazer essas mesmas andanças em grupo, com os códigos e as músicas, fora do Xisto. Sair da sala, do Espaço e dar uma volta pelos arredores.

Na avaliação, mais problemas pessoais surgiram. Um deles eu faço questão de compartilhar por aqui pela pérola que saiu de um dos alunos. Indignado com os programas "sensacionalistas"(desses locais que exploram miséria e violência alheia), ele soltou:

“Por que que o Ministério Público não faz nada? Vai atrás de corrida de jegue!”

Quem pode com uma fala dessa?

Minha preocupação do dia foi quanto a justamente o momento da avaliação. Corremos o risco de que o momento final da aula, cujos objetivos eu já explicitei por aqui, vire uma espécie de sessão de terapia de grupo. Se formos nesse caminho, eu me pergunto:

Como acolher as questões trazidas pelos alunos e usar esses depoimentos a favor do processo, sem desvirtuar os objetivos daquele momento?

(no ar...)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Casa, família e roupa suada (Aula 17/01)

“Alô, gostaria de falar com fulana... Oi, aqui é Laili, a professora da oficina de palhaço no Xisto que beltrano tá inscrito... Estou ligando pra saber se ele vai amanhã, porque nós começamos na segunda-feira e ele não foi, né? Ele disse que vai? Então ótimo. Fala pra ele que estaremos esperando? Obrigada, tchau.”

Nome da operação: “dessa vez nós teremos mais de quatro alunos”.

Estratégias: telefonar para cada casa, falar com a pessoa que assina como responsável pelo participante e perguntar da presença dele.

Avaliação: resultados positivos.

Oito alunos! Viva! A operação foi um sucesso!

Agora sim dá pra fazer um trabalho melhor... Quatro duplas, dois quartetos, uma sala mais preenchida... Só alegria com o tamanho da turma que tivemos nessa segunda-feira.

Ontem a aula foi coberta pela equipe do Soterópolis, que filmou alguns trechos, entrevistou Renata, eu e dois alunos. A presença de uma câmera já havia sido avisada, discutida e autorizada por parte dos alunos e responsáveis. Batemos tanto nessa tecla que quem havia participado desde a semana passada já sabia o discurso de cor: “Não é pra parar pra dar tchau, soltar beijo ou fazer pose. A aula tem que continuar...”

Minhas experiências passadas com câmera em sala de aula não haviam sido muito positivas nesse sentido (era um tal de parar tudo pra prestar atenção na máquina.. mas eu confesso que também nunca discuti taaanto essa questão com os alunos), então ficava a dúvida de como eles reagiriam a uma equipe (foram três pessoas) externa registrando os exercícios. E não é que foram super “profissionais”? Aparentemente não houve qualquer demonstração de timidez ou exibicionismo provocada pela presença da câmera em sala de aula...

Para atender às demandas da reportagem, Renata e eu nos dividimos e, enquanto uma ficava em aula, a outra dava entrevista.

A aula foi tranqüila. O aumento significativo no grupo trouxe respostas imediatas: alguns exercícios repetidos, que já estavam “fáceis”, ficaram mais complicados; outros, mais prazerosos e produtivos.

Estamos amadurecendo a forma de planejar as aulas pra essa turma. É claro que nas primeiras aulas grande parte das atividades tem como objetivo, também, identificar o grupo com o qual estamos trabalhando: quais são as demandas deles, as dificuldades, as possibilidades? Muita coisa funcionou de princípio, mas outras tiveram que ser adaptadas, adiadas, canceladas. Da primeira aula pra terceira, posso afirmar que a tendência foi acertar cada vez mais nos exercícios escolhidos.

Dos exercícios repetidos, pudemos tirar algumas conclusões por agora. O trabalho com ritmo que fizemos ontem pela segunda vez (motivado pela demanda apresentada da turma, ao trabalharmos ritmos de andar) já mostrou uma evolução do grupo. Outro exercício, um de andanças comandadas por apitos (um: pular, dois: tocar no chão...), foi feito pela terceira vez pelo grupo, que ainda demonstrou dificuldade em diferenciar os comandos. A solução que encontramos para uma próxima oportunidade é diferenciar melhor os comandos e assim utilizar não apenas o recurso do apito, mas palmas, gestos e/ou palavras.

Ontem alguns dos alunos apresentaram tontura pela primeira vez. Na tentativa de trabalhar melhor o recurso do abraço, no pega-pega de abraço, planejamos uma sequência de atividades que trabalhassem o toque, até chegar no abraço, no pega-pega de abraço em câmera lenta, para então partir para o jogo na sua “velocidade normal”. O que aconteceu foi que, a tal da “velocidade normal” foi tão esperada que, quando chegou, a turma saiu correndo demais...

Costumamos relaxar o grupo cada vez que muda o pegador: “respira, olha pros colegas”. Dessa vez, contudo, já na primeira pausa me alertaram para seu cansaço e tontura. Tempo, descansar, respirar, sentar, água... A sugestão de um participante, na hora da avaliação do dia, foi inverter a ordem: “bota primeiro o pega-pega, depois faz a câmera lenta”. Boa!

A manhã da segunda-feira terminou especialmente linda... Eu, quando começo esses processos de aula ligando palhaço e deficiência, aviso aos mais próximos duas coisas: 1 – não vou parar de falar disso; 2 – vou chorar um monte. Quem me conhece bem sabe que falar ou chorar não são exatamente difíceis pra mim... Mas enfim... Nesse contexto, fica tudo ainda mais à flor da pele.

No momento final da aula, uma aluna, com toda a generosidade de quem compartilha algo muito íntimo e toda a humildade de quem pede por ajuda, deu um emocionado depoimento sobre questões pessoais suas. A turma foi generosa igual, se mobilizou, opinou, na tentativa de querer ajudar em alguma coisa. Renata, com o coração de palhaça e a cabeça de psicóloga que ela tem, puxou um movimento belíssimo que envolveu o grupo todo no que seria sua "família de palhaços". O pai, a mãe, o tio, o irmão... estavam todos lá, abraçando ela e lhe dando boas-vindas à sua nova família.

Ela, se não ganhou solução pros seus problemas – e isso não seria possível ali, ganhou abraços, carinho, família e até música cantada pra ela.

Eu lutava com os próprios olhos para conter as lágrimas daquele momento...

Que gratidão pela confiança dela em se abrir assim...

Que ingrata a situação de ouvir tanto e não poder fazer muita coisa, falar muita coisa que não alguma tentativa de conforto...

E que gratidão, mais uma vez, por esse grupo que acolheu não só a colega como a idéia de família...

Nas palavras de um participante, em entrevista pro Soterópolis:

“Aqui... aqui é minha casa.”

3 dias, 3 palavras: casa, família e roupa suada.

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PS: Pra não dizer que a crise não continua (mesmo porque palhaço adora crise), a bola da vez é a luta contra o tempo! Tudo corre rápido demais, daqui a pouco tem o dia do bufão, o dia do nariz, o dois de fevereiro que já desistimos de fazer aula, o batizado dos palhaços, a saída e... Já foi?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Sem guarda-chuvas (Aula 12/01)

Uma chuva... ou melhor: um toró! Acordo com o barulho da água e o vento entrando pelas frestas da janela e penso: “Vixe... e meus alunos?” Levanto, arrumo as coisas e saio de casa. Chove, chove e a incerteza de como será a aula – será que vai ter aula? – aumenta. Em Salvador, quando chove muito nada funciona direito. Alguns lugares alagam, outros muitos engarrafam, alguns faltam e outros muitos atrasam...

Chego no Xisto 09:50 e encontro um aluno, justamente o único que chegou atrasado na primeira aula e que, cumprindo promessa dita na segunda-feira, saiu super cedo de casa: “Eu cheguei 08h da manhã!”. Outros dois chegaram nos próximos quinze minutos e, após vinte minutos de atraso (“é chuva em Salvador, vamos dar essa colher de chá...”), a aula começa novamente com apenas três participantes (dois que vieram aula passada e um novo, que seria a nossa 9ª inscrição).

Chega o quarto, já quando levantávamos para começar a prática. Quatro alunos e duas professoras, mais uma vez. (O quinto que veio e faltou já havia avisado na aula passada que não viria porque ontem foi aniversário de sua avó).

Durante a aula, tudo correu bem. A participação do grupo mais uma vez foi envolvente e eles observaram positivamente a presença do ventilador... rs.

Renata e eu atentamo-nos para melhorias em alguns pontos observados em reunião, no dia anterior. Alguns exercícios que não funcionaram muito bem (eles precisam de certa preparação, algumas atividades que introduzam os aspetos a serem trabalhados...), outros bons de repetir, outros bons de apresentar pela primeira vez. Observamos também a necessidade de, a depender da sequência de exercícios, fazer momentos de relaxamento entre um e outro, para que os alunos possam descansar e respirar um pouco nas transições e não ficarem exaustos (nós decidimos que a oficina não terá intervalo na aula, para evitar dispersão do grupo). As mudanças, a meu ver, foram pra melhor.

Notei dificuldade em dois exercícios novos. Um deles foi o pega-pega com abraço. O grupo quase não utilizava o recurso do abraço como “salvação” do pegador. Talvez seja uma possibilidade repeti-lo, não sei... Tenho que consultar com Renata.

O outro foi uma alternativa que pensamos para introduzir a noção de ritmo, que notamos ser uma dificuldade do grupo em geral na aula passada, quando aplicamos as andanças (andar de acordo com o ritmo das palmas da professora). Em roda, trabalhamos diferentes velocidades de palmas e pisadas. Tanto com as mãos como com os pés, eles começavam com grande dificuldade e melhoravam ao passo que continuávamos com o ritmo proposto. O desafio maior foi com as pisadas... Mas isso era algo que já esperávamos e já planejávamos repetir e então desenvolver.

Eu comecei a aplicar uma didática de trabalho na aplicação dos exercícios que aprendi com a Mestra (com M maiúsculo) Angela de Castro¹. Angela, durante toda oficina comentava, justificava e aprofundava cada exercício (por mais “simples” que fosse, como o pega-pega) falando sobre o palhaço e seus “comandamentos²”. Ainda sem introduzir os comandamentos (que preferimos apresentar parte deles ao grupo mais adiante, chamando-os de “mandamentos do palhaço”), eu aproveitei a oportunidade para, inspirada em de Castro, comentar as atividades com estímulos que remetessem aos princípios que acredito serem do palhaço, ou à lógica do palhaço.

Um exemplo disso foi o momento da dança: “Escolhe uma pessoa pra dançar. Olha pra essa pessoa e dança com vontade com ela. Você ADORA dançar com essa pessoa! Sempre que você vai pra uma festa, você olha pra essa pessoa e pensa ‘Eba! Hoje eu vou dançar com ela!’ [...] Dança com vontade, dança com prazer! O palhaço sente prazer em tudo que faz! Ele faz tudo com vontade!” Renata logo entrou no clima e me ajudou a incentivar o grupo “Vamos gente! Vamos sorrir! Vamos dançar sorrindo!” (Angela falava muito do sorriso do palhaço, do ‘sorrir com os olhos’...).

A parte final ficou por conta de Renata: o relaxamento e desaquecimento. Dessa vez ela foi feita com mais cuidado, sem a afobação da primeira aula e com maior atenção para a respiração. Renata já no relaxamento trabalhou a retrospectiva da aula que fazemos com os alunos, quando pedimos pra eles lembrarem o que foi trabalhado. Praticamente a aula inteira foi lembrada nos comentários do grupo, inclusive com referências à aula anterior.

Após o relaxamento, tivemos uma boa conversa com o grupo, quando falamos um pouco mais sobre o dia e sobre o palhaço. Os participantes se colocaram, falaram sobre o palhaço, compartilhando visões muito bonitas. A aula foi finalizada com a rodada de beijo na mão e o “Iupiiii!³”, que por opção nossa foi introduzido coletivamente para dar um grito de guerra ao grupo e ganhar significado antes de ser trabalhado com cada um.

Continuo com grande preocupação em relação à ausência dos inscritos. Se todos comparecessem, teríamos nove participantes, o que seria um ótimo número para trabalhar. No entanto, de nove inscritos até agora só conseguimos quatro presentes... Questiono se foi a chuva que assustou os que supostamente iriam ontem ou se alguém desistiu. Acho que está na hora de chegar junto, ligar, perguntar, mostrar interesse na expectativa de que esse quadro mude.

Finalizo o relato de ontem com uma frase muito linda de um dos participantes que, ao comentar sobre o ofício do palhaço de trazer felicidade a quem está triste, disse:

“Ainda bem que encontrei esse lugar pra mim.”

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¹ Angela de Castro é brasileira residente em Londres, palhaça há 30 anos e ministra cursos de iniciação ao palhaço pelo mundo inteiro há 24. Para os muitos baianos que foram iniciados com Alexandre Luis Casali, como Renata e eu, ela é mestre dele, madrinha, como ele mesmo diz. Eu tive a honra de fazer a oficina dela "A Arte da Bobagem" no Anjos do Picadeiro 9, em dezembro de 2010, no Rio de Janeiro.

² De Castro chama de "Comandamentos do Palhaço" algo como os princípios do palhaço, o que rege sua alma. Eles hoje são 25 e em breve eu posto aqui pra compartilhá-los.

³ O "Iuuuupiiiiiiiii!", assim como os Comandamentos, eu conheci com Casali, que por sua vez aprendeu com de Castro. Ela diz que é como um grito de guerra pessoal do palhaço, que evoca todos os comandamentos em uma palavra só.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

"É pra se jogar!" (Aula 10/01)

Renata: Vocês sabem o que é pontualidade?

Todos, em coro: Siiiimmm!

Aí vieram as respostas: Pontualidade é um pontinho... É quando você coloca um pontinho...


Só podia ser assim o primeiro dia desta oficina...


Dos seis inscritos (agora sete), só quatro compareceram à aula.

Quinze minutos se passaram do horário de começar e entramos para a sala para uma primeira conversa. Quem somos, onde estamos, o que esperamos, o que faremos...

Pela primeira vez, por sugestão de Renata, eu fiz um pacto com os alunos. Um compromisso da parte deles de cumprir com algumas regras que foram expostas por nós duas, como pontualidade e frequência. Renata, que lia o “Pacto de Palhaço”, perguntou sobre o significado da palavra ‘pontualidade’ e recebeu respostas dignas de um paspalho: resumindo, pontualidade é um pontinho, oras! Risos da parte das mães (que foram convidadas a assistirem este primeiro momento). De mim, um sorriso por dentro e por fora desses de quando a gente olha o mundo e vê a certeza no que está fazendo. “Estamos no lugar certo”, pensei.

Chega de conversa. O grupo levanta e começamos o aquecimento. Mais expectativas da minha parte, mais surpresas com os alunos. Alguns, que eu não fazia idéia de como participariam corporalmente, correram, dançaram e brincaram sem pestanejar. A participação foi grande por parte dos quatro participantes, que compreenderam bem e atenderam com vontade às atividades propostas.

Infelizmente, não deu pra fazer tudo (atrasamos mais e conversamos mais do que o planejado) e a parte reservada às brincadeiras e jogos de liberação foi a mais prejudicada (dos sete exercícios que pensei em fazer, só fiz dois). Estreamos uma espécie de ritual de aquecimento e desaquecimento que será repetido toda aula (também sugestão de Renata). O objetivo é fixar os exercícios, amadurecer a forma com que eles o praticam e possibilitar uma apreensão dessa rotina por parte dos participantes, de forma a alcançarem uma autonomia cada vez maior no trabalho de (des)aquecimento do corpo.

Ao final da aula fizemos uma avaliação do encontro, onde os alunos comentaram em unanimidade sobre o calor. E não há como negar que aquela sala do Espaço Xisto, sem ventilador, sem ar condicionado e abaixo do nível da rua é muito, muito quente. Renata ficou de levar um ventilador da próxima vez... Esperamos que ele dê um jeito nesse desconforto...

Na despedida, a rodada de beijo na mão possibilitou um lindo encontro. Mão com mão, todos, lado a lado. Entre estes estão os dois participantes que possuem um lado do corpo com parcial paralisia dos membros. O que ligava os dois era justamente suas mãos atrofiadas que, sem conseguir se encaixar, repousavam, uma sobre a outra – solução infalível encontrada por eles mesmos. A levantada destes braços de movimento limitado (não dobram, sobem até certo ponto) e a troca de beijo nas mãos pequeninas foi de uma sutileza... Presente destes que a deficiência nos dá... E o palhaço sorri, abraça e acolhe.

Eu, que não sabia o que esperar do grupo, saí de coração feliz. A preocupação que fica é com o número de participantes. Espero ansiosamente que os três inscritos que se ausentaram não deixem de ir na próxima aula... E que – tomara! – consigamos mais algum aluno pra fechar um fusca de 8, 9 ou 10 palhaços!

Quanto aos quatro que foram, estes participaram ativamente, mesmo com seus desafios com movimentação ou fala. O grupo é, por sinal, significativamente menos comprometido do que os grupos com que trabalhei no Pestalozzi. O que poderia ser um suspiro de alívio é também um desafio, porque agora eu me proponho a sistematizar uma proposta metodológica pra um grupo um pouco distinto. Serão novos exercícios, novas formas de abordá-los, novas dificuldades e novas vitórias também.

Tenho mais é que seguir o exemplo do grupo e, como disse um deles (mais de uma vez) na aula:

É pra se jogar!

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

"O silêncio é o começo do papo"

Essa frase é de A. Antunes, mas eu conheci na voz de um grupo do RJ, Roda Gigante, que tem um divertidíssimo projeto de banda de palhaços...

O silêncio (ou quase) que agora se instala neste espaço é o começo de um bom papo que irá se travar ao longo da oficina.

Para os participantes e curiosos, aqui estão algumas informações deste projeto e, em breve nesta mesma página, alguns relatos, registros, indagações... Enfim, a partilha das crises e das vitórias que acompanharão as próximas semanas do trabalho.

Fica registrado aqui desde já o meu muitíssimo obrigada a Renata que, com o coração de palhaça que ela tem, disse um grande e belo sim ao meu convite. Que venham muitas parcerias pela frente!

E pra começar:



IUUPIIIIII!!!!