terça-feira, 22 de fevereiro de 2011



Friozinho na barriga (Aula 21/02)

Último encontro antes da saída! O nervosismo começa a aparecer por parte de alguns alunos e ansiedade por parte das professoras. Renata e eu programamos o encerramento da próxima quarta-feira e, o que a priori seria somente uma saída de palhaços, ganhou novidades e ares de finalização de oficina. Vamos aproveitar o Marcha, Palhaço, a dança circular e os números do jornal. De novo, apresentamos o conflito da banana, que atende aos mesmos princípios do jornal e também será aproveitado na saída. Diogo, meu irmão que é percussionista e integra o Nariz de Cogumelo como músico dos espetáculos, dará uma ajuda a mais e acompanhará a saída do grupo. Para isso, foi nesta segunda conhecer a turma e já experimentar algumas coisas para o nosso encerramento.

Antes de começarmos as atividades, sentamos com os alunos para já acordarmos algumas questões relativas ao dia 23. A primeira delas é a proposta de mudança da Praça da Piedade para o Campo Grande, motivada por algumas observações feitas por amigos palhaços que têm notado um clima não muito agradável na Piedade: um ambiente pesado, experiências difíceis de apresentações de palhaço no local e por aí vai. A outra é combinar os horários: marcamos de nos encontrar 30 minutos mais cedo que o habitual, para não atrasar a saída (marcada para as 10h30, no Campo Grande). Por último, os figurinos que ainda estão em aberto. Há grandes chances de, na quarta, termos que improvisar figurino com alguns alunos.

Nesta conversa, L. mostrou novamente uma insatisfação com “esse negócio de palhaço”. Acho que ela está achando tudo bobo demais, “sem ter pra quê”... O depoimento dela não foi tão explorado porque já havíamos conversado demais e estávamos atrasados para o começo das nossas atividades. A programação do dia previa passar o conflito da banana, revisar os números e ainda ensaiar o que vamos fazer na finalização.

Diogo, que foi apresentado aos alunos, participou generosamente do começo ao fim do encontro, inclusive no nosso aquecimento.

Introduzimos, então, o conflito da banana. Um “princípio de cena”, como foi no caso do jornal: um palhaço come a sua banana enquanto o outro, com fome, tenta roubar a banana do parceiro. Fizeram R. e J., L. e N.. As outras duas duplas ficaram com a cena do jornal. L. e N., que não conheceram a proposta do jornal na aula passada porque saíram mais cedo, ficaram notavelmente interessados. Percebi um “plim” em L., que passou a sorrir, dar risada, comentar com entusiasmo as coisas que via. Acho que a proposta de cena, ter algo para apresentar, conquistou mais as expectativas dela.

As quatro cenas (duas do jornal e duas da banana) foram então ensaiadas, maturadas e re-ensaiadas. Naturalmente, são números bem curtos, com finais inusitados e performances diferenciadas. Mas temos sim, algo para compartilhar e estamos todos (acredito) muito felizes com isso.

Problema, contudo, na cena de G.. E., seu parceiro, faltou nesse dia sem dar satisfação. Já andávamos preocupadas com ele, que chega sempre uns 20 minutos atrasado na aula. Sem dupla para G., Renata acabou tomando a vez e ensaiou com ela a cena do jornal, no caso de E. faltar novamente.

Após um trabalho mais atencioso nas cenas (que receberam acompanhamento de Diogo), partimos para o que será a sequência da saída:

  1. Chegada na praça com Marcha, palhaço, até o comando “volta ao mundo”
  2. Dança circular
  3. Iupiiiii!
  4. Abre para apresentação dos palhaços (Renata e eu apresentamos um por um, pelo seu nome paspalho)
  5. Banana: Forestino Comcerteza e Basquetino Roial
  6. Banana: Pochente Mão-de-aço e Charmosilda Coxuda
  7. Jornal: Seu Feijão Minguinho e Zé Bão Dismilingüido
  8. Jornal: Garrafinha Meliga e Pontualdo Sentaí (ou Velcra Neon)
  9. Agradecimento e Encerramento
  10. Marcha, palhaço: Saída da Praça

No nosso encerramento do dia, Renata com sua sapiência de artista+psicóloga fez uma dinâmica com o grupo muito linda, quando cada um deveria jogar no gigante nariz de palhaço imaginário que estava ao centro, todas as suas expectativas para a quarta-feira. Nervosismo, frio na barriga, sorrisos, alegria, aplausos. Muitas palavras surgiram, acompanhando as muitas sensações nestes preparativos.

Espero que E. não falte. Espero que eles cheguem às 09h30. Espero que levem suas roupas. Espero que os familiares compareçam. Espero que Renata e eu saibamos conduzir a saída. Espero que eles gostem. Espero que eles se divirtam. Espero, espero, espero...

Olha que professora ansiosa eu sou...

Pra liberar os nervosismos e atrair todas as cores para a nossa saída, eu deixo aqui, mais uma vez, o nosso grito:

“IUUUUUPIIIIIIIII!!!!”

É tempo de ousar. (Aula 16/02)

Estamos perto do final da oficina. Antepenúltima aula. Está na hora de começar a direcionar os nossos encontros para o que será utilizado na saída dos palhaços e de ousar um pouco mais. Quando eu dava aulas no Pestalozzi, o mais perto que cheguei de construção de cena foi ano passado, quando trabalhei com os alunos conflitos presentes em números clássicos de palhaço: o que tem um jornal para ler X o que não tem; o que tem um suco pra beber X o que está com sede; o que tem o que comer X o que está com fome. Sempre relações de poder apresentadas aos alunos, que deviam representar os conflitos ao seu modo.

Surgiam situações interessantes e saídas curiosas para as dificuldades apresentadas. Em uma aula, por exemplo, quando apresentei o conflito do suco, eu conversei com um aluno: “Ele bebeu o suco que estava no seu copo. Agora, se você olhar o copo, ele estará cheio ou vazio?” Silêncio... “O copo estará com suco ou sem suco?”, insistia eu. Resposta: “Tem suco lá em casa!” Perfeita lógica de palhaço, é ou não é?

Apesar das respostas peculiares, nunca tive oportunidade de aprofundar nesses conflitos ou conseguir que eles propunham a resolução dos mesmos. A turma, como eu já comentei algumas vezes, tinha mais dificuldades, outros desafios e as capacidades para improvisar ou articular uma construção de cena precisavam ser mais desenvolvidas.

Nesta oficina do Xisto que encerra no dia 23, as possibilidades são outras. Quase todos se expressam bem verbalmente, entendem os comandos e as propostas durante as atividades e já vêm apresentando não só uma capacidade, mas uma vontade de criar sob uma perspectiva mais cênica. Chega o momento, então, de novos desafios e três exercícios de picadeiro foram utilizados nesse sentido.

Antes destes exercícios, fizemos o aquecimento de praxe e algumas atividades que trabalhassem as relações das duplas e alguns aspectos técnicos do palhaço, como o “olhar com a máscara (nariz)”.

Após o aquecimento, fomos lembradas pelo próprio grupo que G., que faltara na aula anterior, não havia recebido seu nome de palhaço. Refizemos o nosso ritual de batizado e, ainda que não tenha tido a mesma atmosfera da aula anterior, G. acreditou muito naquele momento e recebeu com gosto o seu nome paspalho: Zé Bão Dismilingüido. “Esse eu gostei!”, disse ele.

As três atividades em dupla que se seguiram antes da segunda parte da aula foram: caminhadas em espelho (que fizemos na quarta anterior), açãoXreação, foco da máscara. As duas últimas foram coordenadas por Renata, e tiveram ótimas respostas. Na de açãoXreação, as duplas estavam dispostas na sala e deveriam encenar uma “luta” em que um fazia e o outro respondia com o corpo. Eram incentivados golpes mais ridículos, como fazer cócegas, puxar o nariz, e tudo deveria ser feito sem tocar no colega, a uma distância segura.

A atividade que trabalhava o foco da máscara tinha um comando simples: cada palhaço deveria seguir “olhando com o nariz” a todo custo a mão do seu parceiro, que brincava de andar com a mão para trás, para frente, levantá-la, abaixá-la, aproximá-la etc. Após um momento inicial de dificuldades em ambas as atividades, as duplas realizaram as propostas com maturidade e concentração impressionantes.

Partimos então para a segunda etapa do dia, que também era composta por três exercícios de duplas, que seguiam uma ordem crescente de grau de dificuldade. O primeiro deles era mais simples e familiar ao que já havíamos trabalhado durante a oficina. Cada dupla deveria combinar como se apresentar para a platéia, sendo que sempre cada palhaço deveria apresentar o seu parceiro, falando o seu nome recém-batizado. Na minha visão, é como se fosse uma segunda versão nossa do “Vamos falar um oi”. A diferença entre este e o “Como vai...? Muito bem...”, é que neste não há texto prévio, apenas a orientação de que têm que falar os nomes de seus parceiros, e, portanto, requer uma maior articulação da dupla para o que será ensaiado e apresentado. Outra orientação que demos foi que cada palhaço deveria apresentar o seu parceiro como a pessoa mais interessante do mundo e que a apresentação deveria ser feita de forma “teatral”, para estimular nos alunos uma expressividade maior em cena.

Nesta, Renata e eu nos revezamos auxiliando as duplas, no intuito de estimular a tal “teatralidade” que pedimos. Não opinamos no conteúdo das cenas que estavam ensaiadas ou nos seus respectivos textos, apenas trabalhamos a execução dos mesmos. Nas apresentações, tivemos grandes lindos momentos. Os textos que conhecemos no processo de cada dupla já não eram mais os mesmos e assistimos apresentações interessantíssimas, desde os que usaram mais o corpo aos que arriscaram mais nos diálogos: “Este é Basquetino. Ele é alto, é atleta e é bom de basquete.// Este é Forestino. Ele é alto, é charmoso e é inteligente.” Uma graça.

A segunda atividade foi a nossa versão do “Faça uma coisa engraçada”. O citado exercício é famoso em iniciação de palhaço por ser um dos mais temidos pelos participantes. A proposta parece simples: cada palhaço deve entrar em cena e fazer uma coisa engraçada. Ponto. É isso. Mas ô coisa difícil! Quase sempre, quando funciona é porque o palhaço encontrou o ponto certo entre deixar a mente aberta (piadas planejadas raramente dão certo nesse exercício) e ter a sensibilidade para, quando vêm uma coisa à tona, reconhecer sua comicidade e aproveitá-la em cena. Equilíbrio difícil de conseguir. Fiz esse exercício duas vezes. Uma até que não foi tão ruim... mas a primeira foi um desastre!

Na nossa versão, como aconteceu com o “Vamos falar um oi”, modificamos a proposta de uma improvisação livre para uma cena pensada previamente que, no nosso caso, seria feita em dupla. Do exercício que Renata e eu conhecemos, fica o mote e o trabalho da comicidade, que até então não havia sido feito na oficina. E foi um sucesso. Houve quem trouxesse referência de gags clássicas (como puxar a cadeira do colega que vai sentar), quem encenasse algo mais teatral, quem fizesse piada com diálogos construídos e quem até representasse uma brincadeira que, aos olhos deles, é engraçada (pega-pega).

Eu ri horrores. E ri de verdade, seja porque fiquei boquiaberta com a capacidade de criar piadas, ainda que estas precisem ser trabalhadas se aproveitadas posteriormente, seja porque assistimos situações verdadeiramente ridículas. Ridículas e risíveis, com toda a leveza que elas têm que ser. Um pega-pega feito em círculos, com Seu Feijão Dismilingüido fugindo (todo “dismilingüido”) de um parceiro que tentava pegá-lo parado no lugar. Uma cadeira que, para ser puxada, tinha que ser antecipada dos cochichos “Vai, agora você. Tem que puxar a cadeira...” Tudo cheio dos mandamentos do palhaço: inocência, ingenuidade, divertimento, prazer de estar presente...

Por fim, o desafio maior... Passamos para o grupo algo como um princípio de cena, baseado em um número clássico de palhaço. Este princípio apresentava um conflito muito simples: Dois palhaços; um tem um jornal e quer lê-lo sozinho; outro quer ler, mas não tem jornal. O jogo, portanto, está no segundo palhaço tentar a todo custo ler o jornal do seu parceiro, enquanto este não deixa de jeito nenhum. Passada essa dinâmica, o desafio que demos para cada dupla foi de apresentar essa “cena”, com um final criado por eles.

Dessa vez, foi Renata que não acreditava muito na idéia, mas se deixou convencer ao passo que a aula foi acontecendo e eles foram demonstrando suas habilidades de criação e representação. Partiram, então, para a criação. Das três duplas que ficaram (uma precisou sair mais cedo), uma precisou da ajuda de Renata, que deu alguns toques na resolução do conflito do jornal. As apresentações foram, mais uma vez, interessantíssimas. De soluções simples, como roubar o jornal do outro e terminar a cena, às mais elaboradas (cheias de drama, falas), cada dupla deu a sua versão do final da história.

A aula terminou e Renata e eu compartilhamos do mesmo ar de “orgulho dos alunos”. Foram tantas melhoras aparecidas de uns encontros pra cá que temos ficado verdadeiramente felizes com esse trabalho. Ver a desinibição crescente do mais tímido, um sorriso lindo em alguém mais fechado, uma encenação empolgada no que parecia menos motivado.

Suspiro de satisfação no ar.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Nasceu! (Aula 14/02)

A décima aula teve basicamente dois objetivos: começar a pensar nos figurinos e dar nomes aos palhaços. Os nomes foram pensados entre Renata e eu, sempre brincando com as características dos próprios alunos (sejam físicas ou comportamentais). Para os figurinos, como eu citei no relato passado, entregamos um convite para cada aluno, para uma festa de palhaço. As recomendações eram trazer uma roupa que cada aluno se sentisse bem, elegante, e que a roupa fosse escolhida somente por ele, sem intervenções da família. Renata e eu levaríamos mais algumas peças de roupa que julgássemos adequadas (blazer, bolero, camisa social, gravata, suspensório, chapéu...) e montaríamos, junto com eles, uma primeira opção de figurino para cada um.

Um dia de fortes emoções!

Assim que entramos na sala, colocamos as nossas peças de roupa espalhadas no chão e orientamos os alunos que fizessem o mesmo. Dos sete alunos presentes, quatro levaram suas roupas. Começamos a negociar algumas mudanças para os que levaram e as roupas para os que não levaram, e aí que vem a história... Foi um trabalho do tamanho do mundo para fechar essas roupas! Cheios de vontade, esses alunos. “Eu não uso preto. Não uso.” “Eu não vou botar esse casaco. Ele é muito quente.”

Foi um tal de “não quero”, “não vou”, “não gosto”... Eu olhava pra Renata e ela me olhava de volta com caras de “Como assim???”. Para ilustrar: L., que não levou nada, reclamou tanto que a única coisa que aceitou usar foi um enfeite na cabeça. Enfim, por fim e finalmente conseguimos entrar em um acordo, pelo menos naquele momento.

Os alunos saíram da sala para se arrumar enquanto Renata, eu e Luisa (querida amiga que foi pela segunda vez pra tirar fotos) arrumávamos a sala com cachos de bexigas coloridas. Acho que essa decoração foi mal planejada. Primeiro, porque levamos um tempo grande para encher as bexigas – e nem enchemos todas. Teríamos que ter chegado bem antes, deixar a sala pronta, ver as roupas do lado de fora para então começar a “festa”. Mas atrasamos e, bem, mudança de planos. Segundo, porque a sala é grande e um pacote (ainda que fosse todo) de balões não faz tanto efeito. Para criar o clima que queríamos, de festa, comemoração, diversão, precisávamos de mais balões, faixas, confetes etc. Mas vamos lá.

Renata e eu também improvisamos uma roupa de festa e colocamos o nariz, para recebê-los de palhaças. Está aí outro problema no nosso planejamento. Programamos o dia do figurino e do batizado numa mesma reunião em que programamos mais duas aulas. Acho que ficamos tão empolgadas criando os nomes que não damos a devida atenção aos cuidados com os preparos para a festa... Não ficou claro, pra mim, que eu estaria de palhaça (usei um nariz de Renata), ainda que na hora eu concordei sem pestanejar que seria realmente a melhor opção. E não ficou claro, pra nenhuma das duas, como seria essa roupa de festa. São as roupas tradicionais das nossas palhaças? Roupas de festa pras palhaças? Roupas nossas? Roupas improvisadas? Já que não estava nada fechado, improvisamos então.

Prontas, fomos à porta da sala para receber os nossos convidados. Renata me disse algo como “segura essa energia porque hoje tá difícil...” (não nessas palavras, mas a idéia foi essa). Abrimos a porta e começamos a festa (ao som de salsa!). A festa demorou pra animar... Velcra, a palhaça de Renata, tentava a todo custo subir a energia dos nossos convidados enquanto Floricota (minha palhaça) contornava as crises com o figurino que ainda existiam: era um reclamando, outro querendo se trocar... Passadas as crises, começamos nossa programação do dia.

A primeira parte da festa foi, claro, a dança. E aí começamos de verdade! Após um dançar tímido e meio desanimado do grupo, partimos para aquela conhecida dinâmica de cada um vai ao centro da roda para dançar. E foi super interessante. Acho que nossa animação desajeitada conseguiu contagiar os participantes, que passaram a se sentir mais à vontade com suas roupas. Surgiram danças diferentes, mais desinibidas que em outras oportunidades. Passamos ao grupo uma dança circular, que pensamos em aproveitar na saída dia 23. Pisadas e tropeços à parte, até que aquela turma de palhaços se saiu direitinho executando os mesmos passos.

A reação deles foi excepcional. Tanto do palhaço que recebia o nome, como dos que assistiam. Risos, sorrisos, olhares encantados. Os nomes foram muito bem recebidos! Ufa! Deu certo! Já pensou se tivesse crise de nome? Iríamos trocar? Fazer o que? Felizmente não precisamos nos preocupar com isso e aqueles nomes e sobrenomes, que chamavam atenção para o tamanho de um, o andar mancado de outro, foram aceitos com alegria. A alegria de ser quem é.Chega, então, o grande momento do dia: o batizado! Pensamos com tanto carinho em cada um dos nomes... Eu estava muito ansiosa para ver a recepção deles e, a essa altura, nervosa, porque o figurino já havia sido bem delicado.

Todos num canto. Um por vez e desfilar em diagonal pela sala ao nosso encontro, exibindo seu visual novo, roupa nova e preparando-se pra receber seu nome. Chegando lá, criamos (na hora!) o nosso ritual de batizado. O palhaço vira para o grupo, Velcra e Floricota põem a mão na cabeça dele e dizem, como num jogral: “Nós, palhaças, declaramos que VOCÊ existe. E a partir de agora irá se chamar...” E dizíamos o nome de cada palhaço.

Após o batizado, repetimos a dança circular e o “Marcha, palhaço”, para relembrar os comandos.

Na avaliação, ouvimos o que os alunos tinham a dizer sobre seus nomes e suas roupas. As roupas ainda pediam alguns ajustes, que seriam resolvidos nas aulas seguintes. Sobre o momento do batizado, A., o que na aula passada conversou sobre sua timidez, disse com o maior sorriso do mundo: “Eu me senti subindo num altar.” E. completa, sorrindo igual: “É... E eu descendo de um altar!” Rsrsrs Figuras...

Fica aqui o nome dos palhaços. Não vou justificar a escolha de cada um, porque isso leva um tempo... Deixo para a minha dissertação!

A. – Seu Feijão Minguinho

R. – Forestino Comcerteza

J. – Basquetino Roial

N. – Pochente Mão-de-aço

L. – Charmosilda Coxuda

E. – Pontualdo Sentaí

G. – Garrafinha Meliga


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Fotos por: Luisa Saad

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Clap, clap, clap! (Aula do dia 09/02)

Como continuar com o trabalho do palhaço? Eis a questão!

Como é de costume, a nona aula da oficina foi planejada juntamente com Renata. Programamos um bloco de três aulas, entre o primeiro dia do nariz e a preparação para a saída. O objetivo das três era amadurecer o trabalho de palhaço de cada aluno, formar duplas, trabalhar com elas e começar a preparar o grupo para a saída de palhaço, no dia 23.

A quarta-feira dia 09/02 foi o primeiro dia desse bloco e a aula seguinte à primeira experiência com o nariz do palhaço.

Para início do encontro, após o nosso ritual habitual de aquecimento, fizemos um jogo de toques com uma bolinha imaginária. Em roda, os alunos deveriam passar a bolinha para o colega, como vôlei, sempre olhando no olho e respeitando as características da bola. Eu não estava tão confiante na eficiência desse jogo, mas após uns tropeços iniciais e acertos com o grupo (foi importante acordar o tamanho da bola, por exemplo), tudo fluiu super bem. Alguns às vezes se distraíam, outras vezes apareciam duas, três bolas imaginárias na roda... Mas o jogo funcionou muito melhor do que eu esperava.

Um pega-pega para esquentar o grupo e um Iupi para colocar o nariz.

Daí seguiu-se três atividades para trabalho do palhaço de cada um. A primeira foi de andanças, as caminhadas de cada palhaço. Andando pelo espaço, os alunos experimentaram diferentes modos de andar, destacando e exagerando características próprias, de sua postura e do seu jeito de se movimentar pelo espaço: mancar ainda mais, rebolar ainda mais, reforçar a corcunda, a movimentação dos braços... O objetivo não é “criar” um andar pro seu palhaço, pois buscamos uma linha bem próxima do que eles são, mas ver a possibilidade de que o palhaço pode exagerar seus ridículos também no andar.

A segunda atividade foi a do aplauso, que já fizemos duas aulas atrás. Desta vez, contudo, a atividade foi conduzida com diferenças significativas. A primeira delas é que os alunos que recebiam os aplausos estavam de nariz vermelho no rosto. A segunda é que o exercício resumiu-se aos aplausos em si, não teve preparação de “eu sou especial porque...”, nem apresentação. O aluno saía da sala, colocava o nariz, entrava, parava em frente à platéia e recebia os aplausos. Recebia, somente. Quando os aplausos cessavam, ele agradecia ao grupo e saía da sala, para então tirar o nariz.

A última distinção é que o aluno que estava fora, à espera para entrar e receber os aplausos, recebeu uma atenção e um preparo especial. Enquanto Renata ficava com o grupo e reforçava a importância daqueles aplausos, de serem grandes, altos, empolgados, eu ficava com a pessoa que estava do lado de fora da sala. Tive a honra de ficar com essa função. Em uma conversa curta, porém direta e profunda com eles, eu ressaltava para cada um a importância daquele momento, de receber aqueles aplausos: “Na vida, a gente só costuma ser aplaudido quando fazemos alguma coisa muito importante. Aqui não precisa fazer nada muito importante. Quem é muito importante é você, do jeito que você é. E você merece esses aplausos, justamente porque só você é do jeito que você é...”

Lindo ver como os olhinhos brilhavam e um sorriso espontâneo e sincero saía toda vez que eu tinha essa conversa. De acordo com as características de cada aluno (ansioso, tímido, inquieto), a conversa focava mais no não fazer nada, no se sentir à vontade ou no deixar receber. Mas sempre o discurso acima era dado e, sempre, um sorrisão era estampado no rosto e, como presente para o grupo, aparecia brilhante no momento de receber os aplausos. Lindo demais.

Em seguida, repetimos o exercício de foco em que se deve seguir uma bolinha com a ponta do nariz (duas aulas atrás, quando trabalhamos os mandamentos da “curiosidade” e “deslumbramento”), dessa vez com o palhaço. Partimos, então, para as atividades em dupla.

Fizemos o exercício do espelho, com as duplas de palhaço que escolhemos no final da última aula e o exercício foi realizado com precisão ainda maior que na última vez. Da posição de um de frente pro outro, o princípio do espelho seguiu com caminhadas em dupla pela sala, reforçando o trabalho anterior com os andares do palhaço.

Propomos então o primeiro exercício de picadeiro. Burnier (2001) afirma que o exercício de picadeiro é o principal dos exercícios em que o praticante do palhaço é confrontado com seu ridículo e sua ingenuidade. Na sua pesquisa, este exercício é feito com a figura do dono do circo, o Monsieur Loyal, que procura algum palhaço que preencha a única vaga oferecida no seu circo. Cada palhaço tem que, um por um, mostrar suas habilidades e tentar conquistar essa vaga. A relação que se estabelece é entre um palhaço que acredita no jogo e faz de tudo para vencer nele e um dono do circo que pode tornar o palhaço o maior perdedor de todos, quebrando as couraças do praticante e suas estruturas defensivas.

No meu caso, eu chamo de exercícios de picadeiro todos aqueles em que é estabelecido a relação de palcoXplatéia com o palhaço e que este tem que mostrar alguma coisa para o grupo que está assistindo. Por opção minha e de Renata, os exercícios de picadeiro desta oficina foram pensados para serem realizados em duplas, a fim de fortalecer os pares, deixar os participantes mais à vontade e alcançar uma capacidade maior de articulação para cena (a facilidade de um ajuda a dificuldade de outro).

O primeiro exercício de picadeiro é a nossa adaptação simplificada do “A gente tem que falar Oi”, que aprendemos com Casali e eu fiz também com De Castro. Na versão “original” (se é que isso existe), uma dupla de palhaços entra em cena para, improvisando, combinar como dar um “oi” pra platéia. Não há ensaios ou acordos prévios. Dada a previsível dificuldade dos nossos alunos com tamanha necessidade de improvisação, nós fizemos uma versão diferenciada do exercício, pensada para ser executadas em duas partes.

A primeira parte ficou para esta aula e os comandos foram bem simples. Divididos em duplas, um palhaço deve perguntar para o outro: “Como vai, como vai, como vai?”. O parceiro responde: “Muito bem, muito bem, muito bem”. O diálogo é repetido, sendo que o palhaço que perguntou agora responde e vice-versa. Esta conversa foi praticada pelos alunos anteriormente, que deveriam dizer as falas com quem encontrassem pela frente. Depois de familiarizados com o diálogo, dividimos o espaço em palco e platéia e cada dupla encena a conversa para o grupo, de um jeito mais criativo.

Correu tudo muito bem. É claro que ainda estavam pegando o jeito, alguns se atrapalhavam um pouco no diálogo e nem todos ousaram tanto na sua apresentação. Tivemos contudo uma feliz surpresa com A., que sempre se mostrou muito tímido (fala bem baixinho, não quis fazer o Iupi) e na sua vez brincou com o corpo e se expressou como ninguém!

Finalizamos o momento dos palhaços com uma despedida das duplas, que foi seguida com o relaxamento para encerrar a aula. Na nossa conversa de avaliação, dois depoimentos interessantes surgiram. Um foi de L., que alegou achar essa coisa de palhaço muito infantil... Eu tenho percebido uma queda no interesse dela de umas aulas pra cá, mas talvez seja o processo dela mesmo, porque sua opinião foi imediatamente contestada pela turma.

O outro foi do próprio A. que, pela primeira vez, se abriu conosco e compartilhou suas dificuldades em falar em público, falar alto, sua timidez. Na hora apontamos para a conquista dele no exercício do “Como vai...?” e Renata ressaltou a importância de usar o corpo também, como uma forma de se expressar.

Acho que esta aula foi importante pra ele, o exercício das palmas, do picadeiro, o depoimento. Antonio deu um grande passo.

E tudo continua andando pra frente...

Palmas a este grupo, por ele ser do jeito que ele é.

Obs: Aula que vem é o dia do figurino e do batizado dos palhaços! Grandes expectativas no ar... Entregamos a eles um convite para uma “festa de palhaços”, para que tragam roupas e junto com algumas minhas e de Renata, montemos um figurino pra cada um. Mais um dia especial por aí...


Referência:

BURNIER, Luis Otavio. O clown. In: A arte de ator: da técnica à representação. Campinas: Unicamp, 2001. (p. 205-221)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Por que Não? (Aula 07/02)

O tão prometido dia de colocar o nariz pela primeira vez...

Estava super nervosa com o dia do nariz. Apesar de já fazer esse trabalho desde 2006, as circunstâncias sempre foram muito diferentes. Meus alunos no Pestalozzi tinham deficiências que comprometiam bem mais suas capacidades de compreensão, comunicação, expressão... Era difícil alguém saber escrever seu nome, nem todos falavam de forma articulada e por aí vai. O contexto em que eu trabalhava implicava em uma série de mudanças nos exercícios e nas metodologias que eu havia aprendido, de forma a melhor se adequar para aquele público e atender às suas necessidades.

Uma dessas mudanças era o primeiro dia do nariz. No Pestalozzi, as primeiras oportunidades com o nariz de palhaço eram feitas individualmente. Cada um tinha o seu momento de colocar o nariz, porque era um elemento estranho, eles se distraíam facilmente e alguns se excitavam muito com aquela máscara. Fora isso, a maioria deles precisava de ajuda para colocá-la. As vivências em grupo com o palhaço, todos ao mesmo tempo, só vinham um tempo depois, quando eles já estavam mais habituados com o processo.

Essa turma do Xisto é diferente. Junto com Renata, estou propondo atividades que nunca tinha usado antes, ousando mais, indo mais a fundo... O grupo em geral entende bem os comandos e as orientações de cada jogo e nosso planejamento das aulas está cada vez mais afinado com o contexto da turma. Por que não, então, experimentarem o nariz todos juntos? Decisão tomada, portanto. Mas um coração nervoso que só...

Desde os primeiros dias de aula, todo o processo foi pensado para chegar até aqui, o momento de colocar o nariz. A idéia de que o palhaço é uma extensão de si mesmo, uma face sua mais dilatada, em que você tem liberdade para mostrar seus ridículos, suas bobagens. Que o nariz ao mesmo tempo te protege e te liberta, te dá “o prazer de estar presente” e “a alegria de ser quem é”. Que tudo bem andar diferente, mancando, ter uma mão menor que a outra, falar estranho... tudo ótimo! Pro palhaço isso é um presente, cada particularidade da pessoa é que faz o palhaço ser especial como ele é. Tudo isso foi dito, redito, pensado, trabalhado e vivido pelo grupo.

O momento da aula antes de colocar o nariz, uma espécie de preparação, foi também pensado nesse sentido. A sequência dos quatro exercícios escolhidos foi articulada de modo a trabalhar os mandamentos, os princípios que acreditamos no palhaço (acima descritos) e o estado do jogo (afinal, eles deveriam estar prontos para brincar!).

Para começar, repetimos o “escravos de Jó” após o aquecimento. Pasmem: a segunda vez que fizemos foi mais difícil que a primeira! Eles se confundiram mais, demoraram mais a entrar no jogo... Eu, dessa vez, não me arrisco a tecer hipóteses porque sinceramente não faço idéia dos motivos para essa diferente resposta. Não sei...

Passamos então para uma atividade que eu gosto muito, de olhar no olho, que havíamos feito no encerramento de uma aula dias atrás e desde lá aguardamos o momento certo para repeti-la. Nessa segunda vivência, para deixá-los mais à vontade (quando fizeram o exercício pela primeira vez olharam muito rápido, com pressa e sem tranqüilidade para olhar no olho dos colegas e ser olhado de volta) e trabalhar os princípios aqui já expostos, eu narrava o momento de cada um, dando estímulos para que sentissem, além da “solidão”, o “prazer em estar presente” e a “alegria de ser quem é”.

Inspirada no Angela de Castro way of teaching (risos), os comentários que eu fazia seguiam a seguinte linha: eu (cada aluno) sou massa, super interessante, justamente porque sou do jeito que só eu sou. Eu falava na primeira pessoa, como se fosse a voz de quem estava no centro, coisas do tipo: “Opa... Tudo bem? Tão me olhando... Me acharam interessante? Eu sou mesmo! Vocês também são. Vocês viram como eu tenho uma mão diferente da outra? Viram que bacana? Pensando o que? É só pra quem pode... Se tivesse loja de mão, minha mãozinha ia ser a mais cara! Porque ela é super exclusiva!”.

Foi absolutamente lindo. Eu fiquei em alguns momentos emocionada com a reação de cada um. Eles se sentiam mais à vontade em ficar no centro (não fugiam!) e iam visivelmente acreditando, concordando e enfatizando os meus comentários! Os olhinhos brilhavam, sorriam, concordavam com a cabeça, mostravam o corpo... Lindo de ver.

Depois fizemos o “Iupiiiiii!!!!”, um por um. Dessa vez o grito foi apresentado enquanto exercício, do jeito que nós palhaços filhos de Casali (e de Angela) aprendemos. Fizeram um por um e eu nunca me diverti tanto com o Iupi na minha vida! Teve quem urrou no grito, caiu no chão, continuou correndo até quase atravessar o espelho... Foi engraçadíssimo.

Houve quem, contudo, relutou em fazer o exercício. Eu, que achava ele tão leve, divertido... Pensando bem, de fato quem está ali fica numa situação bastante ridícula: corre, pula, grita, pára em pose hilária e todo mundo olhando. Dos oito, três enrolaram um pouco para fazer, mas fizeram. Desses três, um só aceitou quando Renata prometeu fazer junto com ele. Fez, mas saímos da aula com a impressão de que ele ainda tem muitos nós pra desatar, timidez, insegurança. Alguém pra ter mais cuidado e atenção.

Após o Iupi, Renata apresentou alguns exercícios que aprendeu com Thierry Trémouroux, um ator e palhaço belga. Na primeira parte, divididos em duplas os alunos riem, choram, riemXchoram olhando pro seu parceiro. Na segunda parte, ficam todos no chão, como se fossem baratas, enquanto Renata “passa inseticida” neles, que devem se contorcer, gritar, o que vier na hora. Uma sequência para aquecer, brincar, se expor, se mostrar ridículo e deixar o corpo falar por si só.

Chega, então, o momento de botar o nariz. Cada um recebeu o seu aleatoriamente (eu tenho oito narizes vermelhos de látex em diferentes formatos e a distribuição foi feita no susto... na próxima será feita com mais critério, pra combinar com o rosto e o jeito de cada um) e ficou num cantinho aguardando pra colocar o nariz, enquanto eu lembrava tudo o que trabalhamos até ali. Colocaram os narizes (houve quem precisasse de apoio), viraram, olharam os colegas... Depois dançaram. Sozinhos, juntos, em duplas...

O momento do nariz acabou sendo menor do que o planejado (atrasamos um pouco demais para começar a aula), mas foi tão tranqüilo, natural, que só horas mais tarde que eu me toquei: não apareceu nenhum Patati Patatá! Nada contra, cada um faz o trabalho que acredita, mas não é nesse palhaço que eu boto fé, creio e pesquiso. Não é essa idéia de palhaço que propomos nesse curso e, naturalmente, não é o que esperamos que eles tragam. A idéia era um palhaço bem próximo ao que eles são, mais natural, sem grandes esforços para ser engraçado ou ridículo. Afinal, eles têm o privilégio de já se apresentarem ridículos sem intenção nenhuma! Não é todo mundo que tem uma perna diferente da outra, um bocão, um corpão enorme, uma vaidade que chega a ser hilária... O palhaço tem mais é que aproveitar isso que eles têm.

Sinceramente: bom trabalho! Para eles e pra nós duas. Ah... Eu tenho o direito de ficar feliz com o que faço! Por que não?

domingo, 6 de fevereiro de 2011

13, que são 14, que são 25, que são 13, que são 15, que são... han?

Quando fiz minha iniciação com Alexandre Luis Casali, em 2007 (quando eu já tinha 03 anos de palhaça e ainda andava perdida pelo mundo do nariz vermelho), ele apresentou de forma muito bonita os “Os 13 – que são 14 – Comandamentos do Palhaço”. Trata-se de mandamentos, princípios, valores que o palhaço tem dentro de si. São palavras ou termos como “o prazer de estar presente”, “a alegria de ser quem é”, a “curiosidade”.

Foi muito lindo ouvi-lo falar sobre todas aquelas maravilhas, como esses comandamentos se relacionavam com o palhaço, e, quando decidi entrar no campo da educação especial logo vi que tais comandamentos estavam ligados também à pessoa com deficiência intelectual. Eu já teorizava a respeito na época de meu TCC que estudava a mesma temática, mas não sabia como implementá-los na prática em sala de aula. Até que eu conheci Angela de Castro...

Ai, Angela de Castro... Falo muito dela, mas tenho todos os motivos do mundo. Casali e de Castro foram divisores de águas na minha vida sim, digo sem rodeios, nas vidas de palhaça e de professora. Alexandre aprendeu os “Comandamentos” com de Castro, com quem ele fez oficina duas vezes e que ele chama de sua madrinha. Esta e tantas outras coisas que aprendeu com ela, introduziu no seu próprio curso, que mescla com maestria exercícios de Angela, do LUME, de Xuxu e outras referências mais (passes mágicos, dança circular sagrada...). A oficina de Xande é um mergulho intensivo e profundo de quatro finais de semana, dias inteiros. Eu conheço muita gente que fez curso com ele (Casali é responsável por quase todos os “partos” de palhaço de Salvador) e é praticamente unânime a visão de que quem faz sai transformado. Parece até terapia, mas para alguns chega perto disso.

Angela de Castro é Mestra com M maiúsculo. Quando você ouve muito a respeito de alguém, fica cheio de expectativas e corre os riscos de ir cheio de preconceitos ou se decepcionar. Cheguei no primeiro dia de sua oficina numa mistura de nervosismo e deslumbramento, sem fazer a mínima idéia do que esperar realmente dela. E ela me encantou. De verdade. Uma generosidade, uma habilidade na condução dos exercícios e uma clareza na explicação deles que são de deixar qualquer professora embasbacada. Eu nos meus anos de escola, faculdade de teatro, pós-graduação, cursos de palhaço... nunca aprendi com alguém como ela. E no seu método (ela insiste em afirmar que não sabe se tem “um método”, mas meio mundo acha que sim), o que mais me impressionou foi como ela apresenta os “Comandamentos”.

De Castro apresenta e trabalha os “Comandamentos” durante todo o curso, do primeiro ao último exercício, explicitando de forma bem didática como cada atividade aborda o comandamento em questão e como nós podemos fazer para trabalhá-los. Incrível como ela deixa tudo claro, limpo, iluminado. É um estalo na cabeça: “É mesmo! Eu sempre brinquei de record e nunca pensei nisso!”

Os “treze que são catorze” da época que Alexandre aprendeu, hoje aumentaram para vinte e cinco “Comandamentos do Palhaço” (isso até dezembro de 2010...). Cito aqui um por um, para que quem tiver interesse tenha a mesma oportunidade que eu tive:

O prazer de estar presente (que ela explica estar diretamente ligado com o carisma); estar no momento; compromisso (querer fazer); felicidade de estar fazendo; alegria de ser quem é; amor; honestidade; generosidade; simplicidade; coragem; disciplina; curiosidade; deslumbramento; liberdade; inocência; ingenuidade; esperança; cumplicidade; solidão; divertimento; entrega; aceitação; leveza; serenidade; estado do jogo.

Desses vinte e cinco, escolhi treze-que-são-quinze por aproximação ou necessidade de ser trabalhado com o grupo, que foram devidamente apresentados na última aula, do dia 31/01/2011. Esta aula foi novidade dentre os planejamentos que tenho feito nessa área desde 2006 e surgiu fruto da experiência com de Castro de do dois de fevereiro.

Explico: Não foi Yemanjá que inspirou a aula não... Acontece que Renata e eu havíamos programado um cronograma com X números de aulas, X carga horária, sem pensar que no dia 02/02 a cidade pára e chegar no centro da cidade seria uma tarefa bem difícil... Mudamos tudo, colocamos o dia do bufão um dia antes, o dia do nariz um dia depois e, no meio deles, um dia dos comandamentos. Seria uma aula para aplicar exercícios necessários antes de colocar o nariz pela primeira vez e de apresentar ao grupo os comandamentos que, para efeitos de simplificação, chamamos de “Mandamentos do Palhaço”.

Os então mandamentos foram trabalhados durante todo o encontro, divididos em exercícios específicos e reforçados sempre que foi oportuno.

O “divertimento” foi trabalhado com o Escravos de Jó – versão Nariz de Cogumelo, juntamente com a “Inocência e Ingenuidade”. Uma brincadeira de criança, que no Nariz de Cogumelo (grupo de palhaços que faço parte) aprendi a substituir os objetos pelos nossos próprios corpos: em vez de passar o objeto pro lado, tirar, botar, deixar o zebelê ficar... nós é que pulamos pro lado, saímos da roda, voltamos pra ela e ficamos no lugar. A brincadeira sempre foi um sucesso com outros alunos meus e pela primeira vez tentei fazer com deficientes. E deu super certo! Eles entenderam a movimentação e, ainda que tenha havido alguns atropelamentos (rs), conseguimos jogar e rodar.

Renata acrescentou mais um comando na marcha dos palhaços, o “abre a roda” e no treinamento da marcha treinamos também a “disciplina”. O exercício do João Bobo (fica uma pessoa de olhos fechados e pés cravados no chão no centro da roda, ela deixa o corpo cair, que será manipulado pela turma, que a joga de um lado para o outro com cuidado e atenção) foi proposto também por Renata, quando apresentamos a “coragem” e a “entrega”. É lógico que não foram todos que se soltaram e confiaram nos colegas (como geralmente nunca o é, seja como for o grupo), mas o João Bobo correu bem e acho inclusive que podemos repeti-lo em outra oportunidade.

“Amor”, “aceitação” e “simplicidade” foram trabalhados no nosso “Eu te amo porque...”. A proposta era andar pela sala e, ao comando do apito, falar “eu te amo porque...” para quem estivesse perto, sendo que o final da frase deveria ser algo simples, imediato, sem tempo pra pensar e a pessoa que recebe deve apenas aceitar o que foi dito, para então falar na sua vez. Vários complementos foram ditos, no espírito desse jogo, desde “porque você é simpático” até “porque você é gordo, alto...”.

Para tratar da “curiosidade” e do “deslumbramento”, e também introduzir sutilmente o jogo de máscara que faz o nariz do palhaço, propomos o jogo da bolinha, em que o participante solta uma bolinha no chão e deve segui-la não com os olhos, mas com o nariz. Eu conhecia o jogo por uma oficina que assisti de penetra com o palhaço Xuxu (Luis Carlos Vasconcelos-PB), e Renata por outras referências. Eu estava muito cética quanto à aplicação dele e... tapa na cara com luva de pelica! Deu super certo. Fizemos um por um e depois o grupo todo deveria seguir a bola, com o corpo (achamos que com o nariz seria ainda delicado demais). Lindo de ver.

Por último, os mandamentos da “solidão”, “prazer em estar presente” e “alegria de ser quem é”, numa atividade longa, que misturou uma prática que Renata fez com os Insênicos e um exercício que fiz com Pepe Nuñez e de Castro. A atividade tinha várias etapas: cada participante se isolava em um canto da sala, para pensar “por que eu sou especial” e em como apresentar isso para o grupo; o grupo foi dividido em palco-platéia, para que cada um apresentasse o que pensou; um por vez, o participante sai da sala, enquanto a professora orienta o grupo para o que viria a seguir; a pessoa entra em silêncio, pára em um ponto em frente à platéia e abre os braços; a turma, como platéia, aplaude muito a pessoa que está ali diante, grita, vibra, até que a professora peça para parar; após receber os aplausos, o participante então faz sua apresentação e fala/mostra “por que eu sou especial”.

Este último momento foi muito bonito. Tivemos alguns depoimentos tocantes, já outros pareciam um pouco perdidos... Mas a sensação de receber os aplausos do grupo foi visivelmente emocionante em todos. Houve quem, inclusive, enchesse os olhos de lágrima. Planejamos repetir a parte dos aplausos, com nariz.

Minha preocupação ali foi com um aluno, que parece um tanto quanto obcecado no assunto dos programas sensacionalistas, a ponto de que tivemos que falar sério com ele, para que deixasse para falar nisso na hora certa e respeitasse o momento dos colegas.

Aula que vem, segunda, é o dia de colocar o nariz pela primeira vez. O dia mais esperado da oficina, tanto pelos alunos, quanto pelas professoras.

Todos à bordo rumo à Terra do Por Que Não?.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Um passeio pela caverna (Aula 26/01)

“Menina, e essa chuva?”

“Das duas, uma. Ou eles já saíram de casa, ou eles não saíram e aí...”

“É. Vamos de qualquer forma, né? Pra ver quem aparece.”

“Sim. Já estou a caminho”.

10 minutos depois:

“Olha, fique feliz porque você já tem quatro bufõezinhos!”

Cheguei no Xisto atrasada. Molhada da chuva que peguei na porta de casa. Waldemar Falcão alagada, Vasco da Gama alagada... A notícia dos quatro presentes já era muito boa e eu não esperava muito mais do que isso.

Lá, já eram cinco. Renata e eu entramos na sala primeiro, para cobrir o espelho com o cami preto de 11m que compramos. O objetivo era não só evitar que os alunos fiquem se olhando no espelho e assim se distraíssem da proposta, mas também ajudar a escurecer a sala para criar um clima mais intimista durante a aula. Espelho devidamente coberto, chamamos os alunos. Seis, sete e finalmente oito (o último chegou quando já passavam-se 10 minutos de aula).

Essa quarta foi o dia do bufão...

((Como esse dia é bem diferente, eu gasto um bom tempo deste relato falando sobre o bufão, os porquês desta escolha e a narrativa desta aula. Portanto, aviso desde já que este post é ainda (bem) maior do que os outros. Se tiverem paciência, leiam até o fim porque acho sinceramente que vale à pena...))

Dentre as figuras mais representativas do corpo e do cômico do realismo grotesco, está o bufão. Os bufões são os personagens característicos da Idade Média, “os veículos permanentes e consagrados do princípio carnavalesco na vida cotidiana” (BAKTIN, 1987, p. 7). Não eram atores que representavam um papel, mas, como uma espécie de fronteira entre a vida e a arte, o real e o irreal, eram bufões por toda a vida.

O bufão é a personificação do grotesco. Manifesta com liberdade e exagero os sentimentos e as necessidades humanas e o faz desprovido de qualquer vergonha ou pudor. Os bufões debochavam das instituições oficiais e das convenções sociais, pois não tinham nada a temer: escória da humanidade, o bufão nada mais tinha a perder. Dos três grandes medos do homem – a morte, o banimento e a loucura – o bufão só teme o primeiro, pois dos demais está provido por inteiro (CARMONA, 2004).

Com a modernidade, o bufão, que encontrou seu apogeu na Idade Média, transformou-se também num estilo de comicidade muito singular, onde o corpo grotesco e o discurso paródico são a mola propulsora para a criação cênica. Os estudos de bufão são trabalhados por escolas de renome internacional, como as de Phillipe Gaulier (Londres) e Jacques Lecoq (Paris) e, no Brasil, foi/é estudado por pesquisadores como Luís Otávio Burnier (Campinas) e Daniela Carmona (Porto Alegre).

Até 2007, todo o conhecimento que eu tinha em relação a um trabalho com o bufão vinha de registros contados por colegas palhaços que tinham participado de iniciações em que o bufão fazia parte da metodologia utilizada. Minha primeira iniciação como palhaça, orientada pelo argentino Diego Outon, não abordava o bufão ou o grotesco e foi só em Agosto do citado ano que, ao participar da oficina de Iniciação à Arte do Palhaço com Alexandre Luis Casali, experimentei pela primeira vez um corpo grotesco, um corpo de bufão.

O ‘dia do bufão’, na iniciação com Casali, foi para mim um marco no curso e na vida. Como atriz e palhaça, descobri o prazer de deformar o corpo, desfrutar das escatologias, sexualidades e palavreados que tanto insistimos em refrear. Como mulher, vivi uma verdadeira catarse, onde chorei, gritei e até descobri que desejava a separação do pai do meu filho. Como professora de educação especial, vi ali a possibilidade de um momento de trabalho em que o grosseiro e o bizarro, ao mesmo tempo tão presentes e tão renegados naqueles corpos deficientes, fosse experimentado pedagogicamente. E esta foi a minha escolha.

A presença do bufão como parte das escolhas pedagógicas foi ocasionalmente questionada durante o meu mestrado, pela conseqüente necessidade de um aprofundamento no assunto. Contudo, a opção que faço é de manter essa figura grotesca como trecho dessa estrada, por reconhecer cada vez mais o potencial deste trabalho, por sua identificação e possíveis contribuições ao deficiente intelectual.

Assim como o bufão carrega no corpo as cicatrizes de sua condição de exclusão e banimento (CARMONA, 2004), o corpo da pessoa deficiente traz os traços da sua deficiência, seja por fatores fisiológicos ou morfológicos, seja por uma aquisição de posturas sociais, motivadas por questões específicas de tratamento ou institucionalização.

O adulto com deficiência intelectual muitas vezes apresenta deformidades corporais, causadas ora pela própria síndrome que tem (a exemplo da Síndrome de Down, que traz como uma das características os olhos puxados e afastados), pelas conseqüências de sua deficiência (como a dificuldade na coordenação motora), ora pelas já mencionadas posturas sociais (corcundas, cabeça baixa, ombros recolhidos).

O grotesco está presente no deficiente intelectual também no controle das necessidades fisiológicas do corpo. O corpo grotesco aproxima o homem da sua condição de animal e das forças do baixo ventre: a fome, a sexualidade, as escatologias. A pessoa deficiente intelectual muitas vezes é desprovida de pudores ou valores morais que lhe privem de expressar seus desejos por comida, sua sexualidade e suas necessidades fisiológicas. É comum que beijem, abracem e toquem ‘em excesso’, que comam mais vorazmente do que costumamos presenciar e que não tenham tanto controle nas escatologias do corpo (a exemplo de um aluno meu de 2007 que não tinha qualquer controle da saliva – andava com uma fralda de pano à mão).

Baktin (1987) define a concepção grotesca de corpo como a consciência da eterna incompletude, da imperfeição. Freire (2004) defende que a inconclusão e o inacabamento do ser humano são próprios da experiência vital: “Onde há vida, há inacabamento”. O inacabamento é próprio também da deficiência. A pessoa com deficiência possui na sua constituição morfológica do cérebro, nas suas possibilidades de comunicação e locomoção e nos seus sentidos a concretização da incompletude, da inconclusão daquilo que seria esperado como ‘normal’.

Os processos de trabalho com o bufão, como escolha estética de comicidade, são inspirados tanto nas tradições medievais como nos chamados bufões sociais da atualidade: os mendigos, os bêbados, anões, corcundas, loucos, deficientes... Segundo Carmona (2004), Gaulier e Lecoq propunham a condução de deformações no corpo, como barrigas, corcundas e aleijos. Busca-se alcançar por meio de pesquisa o corpo grotesco com que a pessoa deficiente e outros bufões sociais interferem socialmente.

A preparação para a bufonaria proposta por mim em sala de aula não segue uma linha de exaustão física ou catarse, como eu experimentei com Casali, mas de fantasia: “O trabalho dos bufões está ligado a um espírito de brincadeira” (LECOQ, 2010, p. 189). Por considerar as dificuldades dos alunos com o trabalho físico e a pré-disposição ao grotesco (ao contrário de um iniciante ao palhaço ‘comum’, cheio de vícios e pudores cotidianos), o foco ficou no convite ao mundo às avessas, ao espaço da liberdade, ao tempo da abundância.

Os alunos, após um aquecimento do corpo, são chamados a dormir, para dali renascerem em uma gruta, escura, fétida e repleta de pequenos animais viscosos e bizarros. Nesta caverna, as escatologias e as vontades de um corpo que elimina sons, líquidos, gases, são não apenas permitidas, como bem-vindas. O aluno levanta-se e experimenta o exagero das suas próprias deformações de corpo e de voz, seus grunhidos, gestos e caretas.

Após um trabalho individual, os alunos são convidados a trabalharem em grupo, em bandos. Segundo Lecoq (2010) e Burnier (2001), os bufões, por serem marginais e marginalizados, vivem em bandos hierarquicamente organizados. O bando de bufões tem linguagens próprias, regras restritas e papéis bem definidos, onde cada bufão funciona como parte de um único organismo. O bufão encontra no bando sua força e proteção: “Solitário, ele é frágil e facilmente exposto às humilhações da sociedade” (BURNIER, 2001, p. 216). Em bando, eles experimentam atuar coletivamente com ações que representem necessidades primárias do corpo, como defecar, urinar, comer, beber e regurgitar.

É proposta então a formação de dois bandos, que devem se preparar para ir à luta (eu sussurrei para cada bando estímulos que provocassem neles a vontade de guerrear). A guerra, para o bufão, não é lugar de agressão, mas de divertimento. Lecoq (2010) afirma que os bufões se divertem o tempo todo, zombando da sociedade e imitando a vida dos homens: “Fazer uma guerra, lutar, estirpar-se os deixa felizes” (p. 181). Para evitar que eles se machuquem, os alunos foram orientados a lutar sem se tocar...

Após a guerra, é a hora do carnaval. Da festa, da abundância, do riso e da dança. Os bufões são convidados a dançar e se divertirem, até que a hora de dormir chegue outra vez. Após a última dança, pede-se que os alunos voltem aos seus cantos, no chão, para aos poucos tranqüilizarem seus corpos e deitarem. O clima muda e, como num último suspiro, despedem-se daquele submundo para nascer mais uma vez.

Essa é basicamente a narrativa do processo utilizado nesta quarta, durante a oficina. Renata ficou responsável pelo aquecimento, desaquecimento, avaliação, registro e apoio da aula. Eu fiquei com a parte do bufão em si.

A turma respondeu com energia e vontade à nossa diferente proposta. A sala foi escurecida e só acendemos as luzes quando os alunos ‘acordaram’ novamente após aquela vivência.

Foi necessário, como era de se esperar, estimular o trabalho o tempo todo. Eu falava, gritava, me mexia, no intuito de não ‘deixar a peteca cair’. E, apesar de alguns alunos que se distraíam ou cansavam certas vezes, a peteca do grupo não caiu. Afirmo, contudo, que até os que rejeitavam alguma provocação nossa nos trouxeram presentes revelando um pouco mais deles mesmos, o que serve e muito para o trabalho do palhaço de cada um que está por vir: um que achava tudo nojento (“ecaaa!”), outra que quer permanecer aparentando bonita de qualquer jeito...

Tivemos momentos inesquecíveis, certos andares, certos grunhidos que surgiram... A comilança e a guerra foram vividos com entrega unânime dos alunos. Eles se jogaram no chão pra comer, batalharam com toda a vontade do mundo, farrearam e, por fim, deitaram exaustos no chão. Exaustos, acabados. O trabalho do bufão que estava previsto para ser feito em 70 dos 120 minutos da aula aconteceu em 50 minutos, por causa do atraso e do notável cansaço dos alunos. Comentei com Renata que chegamos ao limite deles. Nem menos, porque eles deram o que tinha que dar até o último momento, nem mais, porque se ficássemos ali por mais tempo provavelmente não seriam todos que agüentariam permanecer no processo.

O processo foi encerrado por mim e Renata, que emendou com o relaxamento. Desta vez, não fizemos uma avaliação verbal ou fizemos uma retrospectiva da aula. Ontem, a idéia era viver, refletir e guardar pra si. No lugar da avaliação costumeira, distribuímos lápis, giz de cera, hidrocor e papel, para que cada desenhasse as suas impressões da aula. Terminados os desenhos, cada aluno descreveu sua visão em poucas palavras. Dos oito participantes, somente três compreenderam e atenderam ao pedido, desenhando sempre a caverna onde iniciamos a vivência. Os outros cinco ilustraram figuras aleatórias, como mar, barco, casa. Talvez um desenho que costumam fazer, não sei...

Uma rodada de olhares para finalizar o dia, antes do beijo na mão. (Precisamos repetir este exercício, pois muitos não conseguem olhar no olho do colega com calma e passam correndo por cada um.)

A aula acabou. Voltei para casa cansadíssima, suada, com dor na coluna e poucas palavras. Contente e ‘orgulhosa’ daqueles bufõezinhos que foram soltos na quarta-feira e voltaram à caverna para dormir.

O dia do bufão é sempre inesquecível...


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*Fotos por: Renata Berenstein

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Referências

BAKTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: HUCITEC, 1987.

BURNIER, Luis Otavio. O clown. In: A arte de ator: da técnica à representação. Campinas: Unicamp, 2001. P. 205-221.

CAMPOS, Fernanda N. O grotesco no corpo do louco e do artista: dois distintos semelhantes. Ribeirão Preto: EERP – USP, 2008. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2010.

CARMONA, Daniela; BARBOSA, Zé Adão. Teatro: atuando, dirigindo, ensaiando. Porto Alegre: Artes e ofícios, 2004.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da tolerância. São Paulo: UNESP, 2005.

_____________. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

FOURNIER, Jean-Louis. Aonde a gente vai, papai? Tradução de Marcelo Jacques de Moraes. Rio de Janeiro: Intríseca, 2009.

HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime: tradução do “Prefácio de Cromwell”. Tradução e notas de Celia Berretini. São Paulo: Perspectiva, 1988.

LECOQ, Jacques. Os caminhos da criação: os bufões. In: O corpo poético: uma pedagogia da criação teatral. Coma colaboração de Jean-Gabriel Carasso e de Jean-Claude Lallias. Tradução de Marcelo Gomes. São Paulo: Senac São Paulo, 2010. P. 178-190.

MORI, Nerli N. R. O Corcunda de Notre-Dame: grotesco, sublime e deficiência na Idade Média. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 34, p. 199-210, jun. 2009. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2010.

PROPP, Vladimir. Comicidade e Riso. São Paulo: Ática, 1992.

THEBAS, Cláudio. O livro do palhaço. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2005.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Marchando nos jardins da razão... (Aula 24/01)

Aula 5... Aí vamos nós...

Última aula antes do dia do bufão. Fechamos um ciclo, dos primeiros jogos, primeiros exercícios. É o último dia antes de entrar diretamente no fantástico mundo do palhaço (isso se contarmos o bufão como parte desse mundo... o que eu conto... diria que o bufão é o “primo feio” do palhaço... rs).

Com o pouco tempo que tivemos até então, a idéia era até a quinta aula trabalhar alguns aspectos que notamos serem demandados pelo grupo e que precisamos para chegar ao trabalho de bufão e, posteriormente, do palhaço. Passamos algumas aulas brincando bastante, pra mexer aqueles corpos, despertar o estado do jogo, trabalhar em equipe e sim, se divertir.

Em outros momentos concentramos a atividade no gr

upo, na formação de um grupo e manutenção do mesmo. Esse trabalho foi importantíssimo não apenas por ser um processo de arte-educação, mas também porque planejamos introduzir, pincelar, dar um gostinho do bufão e neste aguardado dia o “bando de bufões” será apresentado com destaque à turma.

Por fim e por princípio, trabalhamos o auto-conhecimento e a sensibilização que tanto vêm a calhar em uma oficina de palhaço. Para esta oficina, acreditamos em uma metodologia que aprofunde o auto-conhecime

nto do aluno e a sua presença e expressão perante a sociedade enquanto não apenas ciente, mas orgulhoso das especificidades do seu corpo e do seu jeito de ser. Como são vistos pelos colegas, como cada um deles se vê, o que acham ser belo em seus corpos e o que acham ser esquisito; a apreciação das suas diferenças e das suas “esquisitices”, enquanto unicidades da sua pessoa e verdadeiros presentes para o palhaço.

Na aula do dia 24/01, o encontro foi dividido em dois momentos, em que exercitamos os dois pontos acima citados: o grupo e o indivíduo. Este último ocupou a primeira parte da aula e, se na quarta passada propomos à turma que listasse as características físicas de cada colega, hoje a proposta inicial foi de uma apreciação individual.

Em frente ao espelho (para o alívio de alguns alunos que sempre escapavam o olhar e as professoras gritavam “esquece o espelho!!!”) a uma distância que desse para ver seu corpo todo e nada mais, o exercício foi executado em três partes (que deveriam ser feitas em silêncio): observar as partes do seu corpo e lembrar dos comentários da aula anterior; escolher a parte do corpo que ache mais bonita e tocar nela; escolher a parte que ache mais esquisita e tocar nela. A partir daí, os alunos saíram da frente do espelho e andaram pela sala de forma a exagerar a parte eleita como a mais esquisita e exibi-la para o grupo: “Exagera essa parte esquisita! Mostra como ela é esquisita! Aqui é um concurso da pessoa mais esquisita e você tá doido pra ganhar! Você tem muito orgulho dessa parte estranha do seu corpo porque só você tem ela desse jeito! Quem é que tem um barrigão assim? Um braço assim?”.

Eu, que fiquei mais à frente dessa atividade, notei a dificuldade de alguns em andar exagerando a parte do corpo em questão e, de outros, em manter esse andar. Foi necessário estimular o tempo todo, incentivar o exagero, as possibilidades de andar. Alguns escolheram partes que saltam aos olhos de quem os vê, como a barriga grande, a coxa grossa ou o braço atrofiado. Outros fizeram escolhas que eu compreendi menos, os braços, o nariz, as orelhas.

Me surpreendeu um dos alunos, que tem problemas no lado direito do corpo e escolheu as orelhas como a parte mais estranha. Eu não disse nada, lógico, mas fiquei um bom tempo pensando nisso e, só hoje (2 dias depois), cheguei à não-conclusão: Será que há falta de capacidade nele em identificar a parte do corpo diferente? Será que ele acha que é a perna ou o braço direito, mas tem timidez em mostrar? Ou, será ainda, que é minha a falta de capacidade em reconhecer que ele pode achar – sim – seu braço e perna nada estranhos e identificar a seu critério (e tem que ser seu mesmo) que suas orelhas são um tanto quanto esquisitas? Eis uma questão que talvez eu nunca responda, ou quem sabe responda mais tarde... É, Chico Science... Você afirmou, eu pergunto: mas há fronteiras nos jardins da razão?

Daí trabalhamos máscaras faciais e andanças com dificuldades no corpo (se locomover sem mexer os braços, sem mexer a bunda, sem usar os pés, sem mexer as pernas, de barriga pra baixo, arrastando as costas no chão e por aí vai...). As duas atividades foram muito bem recebidas e tivemos boas respostas do grupo que fez caretas, se jogou no chão, se arrastou, rastejou e até pulou que nem sapinho!

O segundo momento da aula foi especial porque pela primeira e provável última vez até o dia da saída nós tiramos os alunos do Xisto e saímos para andar ali pelos Barris. Após lembrar com eles os códigos para as andanças em grupo que estabelecemos aula passada (parar, andar, meia-volta, bolinho, fila, som de abelha), preparamos a turma e andamos pelos corredores do Xisto, subimos a ladeira que dá pra rua e seguimos nos Barris em direção a uma pracinha que fica nos arredores. Marchando, claro.

A experiência foi sugestão de Renata, que experimentou algo nesse sentido com o grupo d’Os Insênicos e conosco foi realmente uma delícia. Tivemos que em alguns momentos organizar a fila, estimular pra que eles cantassem nosso hino mais alto (“Marcha, palhaços...”), enfim, segurar a onda de um grupo que por vezes se distraía. Porém, foi muito mais tranqüila essa saída do que eu esperava. Renata e eu nos organizamos de modo que sempre ficasse uma à frente e outra no fundo, pra preservar a unidade do grupo e garantir a segurança deles. Eu sinceramente achava que eles iam se desligar um pouco da proposta com tanta informação (transeunte, carro, vendedor de rua, criança brincando, jogo de futebol...) e que seria bem trabalhoso.

Voltamos para a sala para a finalização e avaliação da aula, quando ouvimos comentários muito interessantes sobre o dia. Impressionante como notaram coisas na rua, detalhes observados por um olhar de palhaço que tudo vê e tudo acha interessante. Outros gostaram de ser vistos, despertado curiosidade... Aquela fila mais que especial literalmente parou o trânsito!

Em um depoimento interessantíssimo, escutamos: “Eu gostei porque eles gostaram do meu aspecto”.

Marchemos então.

Palhaços sem fronteiras nos jardins da razão.


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*Fotos por: Renata Berenstein

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Marcha, palhaços! (aula 19/01)

Chuva de novo. Aiaiai... Vamos lá.

A aula como sempre começou uns minutinhos atrasada, e com quatro dos seis alunos que ficaram de vir ontem (dois já tinham avisado da falta).

O grupo aos poucos assimila a rotina do aquecimento, que é quase sempre a mesma, e alguns já antecipam uns movimentos.

A aula de ontem teve basicamente duas partes, com dois conteúdos a serem trabalhados: uma parte de sensibilização e uma outra de trabalho de grupo.

A primeira utilizou exercícios que abordassem o olhar e o não-olhar, estimulando a observação do outro, o contato visual, o toque e a sensibilidade. Em um dos primeiros exercícios dessa fase, Renata e eu usamos uma atividade comum em iniciações de palhaço. Dessa vez, o grupo ficou sentado em círculo (eles cansam se ficam parados em pé por muito tempo) e uma pessoa ficou no centro. A pergunta feita aos que estão fora é “o que estou vendo nessa pessoa?” e eles devem descrever tudo que vêem e observam no corpo do colega. Não vale falar coisas da personalidade, ou quaisquer características que não possam ser notadas naquele momento (como se a pessoa é inteligente, se ela ronca, se ela sabe dançar). A pessoa que está no centro fica em pé e não pode fazer nenhum comentário às falas dos colegas. Todos passam pelo centro, inclusive as professoras. A proposta aqui é exercitar a observação do outro, tanto pela parte de quem vê como pela parte de quem é visto. O ambiente proposto é tranqüilo, não há espaços para julgamentos, sarcasmos ou constrangimentos.

Para apenas incentivar, começamos com observações mais simples, como “ele está de bermuda florida, ela está com as unhas pintadas” e aos poucos vamos estimulando maiores detalhes nos comentários: “as mãos dele são do mesmo tamanho? A barriga dela é grande ou pequena?”. Havia, na minha cabeça de capricorniana que gosta de criar hipótese pra tudo antes de experimentar, três possibilidades mais prováveis: 1 – eles seriam tímidos ou generalistas nos comentários (“ela é linda, ele é feio, eu não acho nada...”; 2 – eles levariam a atividade na brincadeira; 3 – levariam a sério demais, um ou outro se magoaria e... Pois então, nem precisava falar – mas eu vou – que mais uma vez essa turma me surpreendeu nas respostas aos exercícios. O grupo levou sério, se entregou e entendeu rapidinho como funcionava aquela atividade. Quem ficou de fora falou sem delongas ou grandes cuidados e, ao mesmo tempo, sem ironizar negativamente o corpo do colega. Quem estava no centro ouviu, esperou e se permitiu ser visto. Poucas foram as oportunidades em que precisamos intervir com um participante para que ele deixasse a atividade correr como deveria.

Infelizmente, dois alunos ficaram de fora desta atividade, pois chegaram na metade da mesma e, perdendo a explicação inicial e as primeiras rodadas, seria melhor que somente assistissem do que entrassem no meio daquele momento. Renata, responsável pela mediação de grupo, foi falar em particular com eles enquanto eu seguia com a atividade – uma ação que já havíamos combinado em reunião e acordado com os alunos nos primeiros dias de aula. Apesar de não entenderem de imediato nossa decisão de deixá-los assistindo até o próximo exercício, eles aceitaram bem a posição de observadores naquele momento, sem conflitos.

O trabalho do não-uso da visão e do toque foi feito com faixas que vendavam os alunos. Ora metade deles, quando enquanto um ficava com os olhos tapados um parceiro o guiava pelo espaço, ora o grupo todo, quando eles se reconheciam somente através do toque. Essas atividades correram bem. Ninguém se recusou a ficar de olhos vendados, tirou a faixa no meio do exercício ou “travou” ao ser guiado pela sua dupla.

A segunda parte foi um bloco proposto por Renata de exercícios que trabalham o grupo, andar em grupo. Essa foi uma dificuldade que notamos no primeiro dia de aula e que precisaria ser trabalhada ainda antes do dia do bufão (quarta que vem), quando a questão dos “bandos” será bastante trabalhada. Neste bloco, então, os alunos praticaram uma série de andanças que começaram em duplas, trios até formarem um só bloco de oito pessoas (contando com as professoras). Foram feitas formas diferentes de andar, até que estabelecemos alguns códigos (que provavelmente serão aproveitados na saída deles, dia 23/02). São eles: apito = andar; bater dos pratos = parar; pratos ao alto = dar meia volta; “pipoca” = todos juntos em bolinho; “linha reta” = todos em fileira.

Deste momento, saiu uma música, adaptação do “marcha, soldado”:

“Marcha, palhaço / Cabeça de papel / Quem não marchar direito / Não vai comer pastel...”.

Ficamos bem satisfeitas com essa quarta aula. Os alunos assimilaram bem as questões trabalhadas e as andanças em grupo funcionaram melhor do que esperávamos, já deixando expectativas para a saída e a aula que vem. Segunda 24.01 o plano é fazer essas mesmas andanças em grupo, com os códigos e as músicas, fora do Xisto. Sair da sala, do Espaço e dar uma volta pelos arredores.

Na avaliação, mais problemas pessoais surgiram. Um deles eu faço questão de compartilhar por aqui pela pérola que saiu de um dos alunos. Indignado com os programas "sensacionalistas"(desses locais que exploram miséria e violência alheia), ele soltou:

“Por que que o Ministério Público não faz nada? Vai atrás de corrida de jegue!”

Quem pode com uma fala dessa?

Minha preocupação do dia foi quanto a justamente o momento da avaliação. Corremos o risco de que o momento final da aula, cujos objetivos eu já explicitei por aqui, vire uma espécie de sessão de terapia de grupo. Se formos nesse caminho, eu me pergunto:

Como acolher as questões trazidas pelos alunos e usar esses depoimentos a favor do processo, sem desvirtuar os objetivos daquele momento?

(no ar...)