Atualmente, a definição de deficiência intelectual adotada pelo Ministério da Educação é a mesma da Associação Americana de Deficiências Intelectuais e de Desenvolvimento (AAIDD, antiga Associação Americana de Retardo Mental, AAMR).
Segundo Evangelista (2002), a então AAMR caracteriza deficiência mental (ou retardo mental, ainda na antiga nomenclatura) por um funcionamento intelectual significativamente abaixo da média da população – Q.I.[1] menor ou igual a 70 – e “limitações relatadas em duas ou mais das áreas de habilidades adaptativas” (p. 22).
A escolha do palhaço deveu-se também à aproximação natural desse público específico com o mundo da palhaçaria. São inerentes ao indivíduo com deficiência intelectual, assim como às crianças e aos idosos, características que são típicas e onipresentes no palhaço: a verdade, a pureza, a simplicidade, a liberdade de jogar com os padrões sociais, o prazer de brincar, curiosidade.
Outro aspecto em comum é a vivência do presente. Como o/a deficiente intelectual possui dificuldades de memória e de projeção do futuro (PACHECO e VALENCIA, 1997), o ‘hoje’ é o tempo de sua ação e interferência no mundo. Para Jara (2004), o palhaço vive o presente mais imediato e a intensidade com que o vive é o seu trampolim para a conversão do passado e do futuro ao mesmo tempo. Da mesma forma, Puccetti (2006) afirma que a “técnica do palhaço é viver e atuar no tempo presente, segundo sua lógica e seus impulsos” (p. 22).
Neste sentido, o palhaço possui uma conduta que não obedece à pauta moral da sociedade, repleta de reflexões de causas e conseqüências, retrospectivas e projeções. Sua lógica é própria e suas ações se assemelham a uma criança pequena, ou um/a adulto/a quando não está sendo observado/a e suscetível ao julgamento de outros/as. Suas decisões são frutos de suas ações, e suas ações frutos de seus sentimentos. Da mesma forma, a pessoa deficiente intelectual “apresenta particularidades em suas atitudes, pois a manifestação de suas necessidades e sentimentos muitas vezes se faz através do comportamento” (EVANGELISTA, 2002, p. 245).
Entre tantas outras similitudes, destaco ainda o lugar social que o palhaço e o/a deficiente intelectual ocupam ao longo do tempo.
Evangelista (2002) descreve os deficientes intelectuais como “pessoas marcadas negativamente por uma sociedade na qual a inteligência, a beleza e a favorecida posição sócioeconômica são fatores extremamente valorizados” (p. 35). Em paralelo, ao narrar a figura do palhaço na história do teatro Jara (2004) afirma:
“[...] estamos falando de gente não muito bem considerada: ‘ridículos demais’, ‘gênero mais baixo’ [...]. Gente que tem sido censurada, maltratada, depreciada, inclusive perseguida e condenada em outras épocas”[2] (Jara, 2004, p. 25 – tradução nossa).
O palhaço e a pessoa com deficiência intelectual têm em comum características comportamentais, cognitivas e emocionais. Além disso, ambos ainda hoje sofrem com atitudes de segregação e estigmatização: o/a deficiente é considerado/a e tratado/a como ‘anormal’ pela sociedade e excluído/a de seus direitos de lazer, participação política, saúde e educação; o palhaço, quando não é utilizado enquanto apelido pejorativo, é considerado como representante de uma ‘arte menor’.
[1] Quoficiente de Inteligência
[2] “estamos hablando de gente no muy bien considerada: ‘ademanes ridículos’, ‘género más bajo’ […]. Gente que ha sido censurada, rechazada, depreciada, incluso perseguida y condenada en outras épocas.”
Referências:
EVANGELISTA, Leila. Novas abordagens do diagnóstico psicológico da deficiência mental. São Paulo: Vetor, 2002.
JARA, Jesús. El clown, un navegante de las emociones. 3ª Edição. Barcelona: Proexdra, 2004.
PACHECO, Domingo B.; VALENCIA, Rosário Paradas. A deficiência mental. In: PACHECO, D. et al. Necessidades educativas especiais. Lisboa: Dinalivro, 1997. (p. 209-223)