Como continuar com o trabalho do palhaço? Eis a questão!
Como é de costume, a nona aula da oficina foi planejada juntamente com Renata. Programamos um bloco de três aulas, entre o primeiro dia do nariz e a preparação para a saída. O objetivo das três era amadurecer o trabalho de palhaço de cada aluno, formar duplas, trabalhar com elas e começar a preparar o grupo para a saída de palhaço, no dia 23.
A quarta-feira dia 09/02 foi o primeiro dia desse bloco e a aula seguinte à primeira experiência com o nariz do palhaço.
Para início do encontro, após o nosso ritual habitual de aquecimento, fizemos um jogo de toques com uma bolinha imaginária. Em roda, os alunos deveriam passar a bolinha para o colega, como vôlei, sempre olhando no olho e respeitando as características da bola. Eu não estava tão confiante na eficiência desse jogo, mas após uns tropeços iniciais e acertos com o grupo (foi importante acordar o tamanho da bola, por exemplo), tudo fluiu super bem. Alguns às vezes se distraíam, outras vezes apareciam duas, três bolas imaginárias na roda... Mas o jogo funcionou muito melhor do que eu esperava.
Um pega-pega para esquentar o grupo e um Iupi para colocar o nariz.
Daí seguiu-se três atividades para trabalho do palhaço de cada um. A primeira foi de andanças, as caminhadas de cada palhaço. Andando pelo espaço, os alunos experimentaram diferentes modos de andar, destacando e exagerando características próprias, de sua postura e do seu jeito de se movimentar pelo espaço: mancar ainda mais, rebolar ainda mais, reforçar a corcunda, a movimentação dos braços... O objetivo não é “criar” um andar pro seu palhaço, pois buscamos uma linha bem próxima do que eles são, mas ver a possibilidade de que o palhaço pode exagerar seus ridículos também no andar.
A segunda atividade foi a do aplauso, que já fizemos duas aulas atrás. Desta vez, contudo, a atividade foi conduzida com diferenças significativas. A primeira delas é que os alunos que recebiam os aplausos estavam de nariz vermelho no rosto. A segunda é que o exercício resumiu-se aos aplausos em si, não teve preparação de “eu sou especial porque...”, nem apresentação. O aluno saía da sala, colocava o nariz, entrava, parava em frente à platéia e recebia os aplausos. Recebia, somente. Quando os aplausos cessavam, ele agradecia ao grupo e saía da sala, para então tirar o nariz.
A última distinção é que o aluno que estava fora, à espera para entrar e receber os aplausos, recebeu uma atenção e um preparo especial. Enquanto Renata ficava com o grupo e reforçava a importância daqueles aplausos, de serem grandes, altos, empolgados, eu ficava com a pessoa que estava do lado de fora da sala. Tive a honra de ficar com essa função. Em uma conversa curta, porém direta e profunda com eles, eu ressaltava para cada um a importância daquele momento, de receber aqueles aplausos: “Na vida, a gente só costuma ser aplaudido quando fazemos alguma coisa muito importante. Aqui não precisa fazer nada muito importante. Quem é muito importante é você, do jeito que você é. E você merece esses aplausos, justamente porque só você é do jeito que você é...”
Lindo ver como os olhinhos brilhavam e um sorriso espontâneo e sincero saía toda vez que eu tinha essa conversa. De acordo com as características de cada aluno (ansioso, tímido, inquieto), a conversa focava mais no não fazer nada, no se sentir à vontade ou no deixar receber. Mas sempre o discurso acima era dado e, sempre, um sorrisão era estampado no rosto e, como presente para o grupo, aparecia brilhante no momento de receber os aplausos. Lindo demais.
Em seguida, repetimos o exercício de foco em que se deve seguir uma bolinha com a ponta do nariz (duas aulas atrás, quando trabalhamos os mandamentos da “curiosidade” e “deslumbramento”), dessa vez com o palhaço. Partimos, então, para as atividades em dupla.
Fizemos o exercício do espelho, com as duplas de palhaço que escolhemos no final da última aula e o exercício foi realizado com precisão ainda maior que na última vez. Da posição de um de frente pro outro, o princípio do espelho seguiu com caminhadas em dupla pela sala, reforçando o trabalho anterior com os andares do palhaço.
Propomos então o primeiro exercício de picadeiro. Burnier (2001) afirma que o exercício de picadeiro é o principal dos exercícios em que o praticante do palhaço é confrontado com seu ridículo e sua ingenuidade. Na sua pesquisa, este exercício é feito com a figura do dono do circo, o Monsieur Loyal, que procura algum palhaço que preencha a única vaga oferecida no seu circo. Cada palhaço tem que, um por um, mostrar suas habilidades e tentar conquistar essa vaga. A relação que se estabelece é entre um palhaço que acredita no jogo e faz de tudo para vencer nele e um dono do circo que pode tornar o palhaço o maior perdedor de todos, quebrando as couraças do praticante e suas estruturas defensivas.
No meu caso, eu chamo de exercícios de picadeiro todos aqueles em que é estabelecido a relação de palcoXplatéia com o palhaço e que este tem que mostrar alguma coisa para o grupo que está assistindo. Por opção minha e de Renata, os exercícios de picadeiro desta oficina foram pensados para serem realizados em duplas, a fim de fortalecer os pares, deixar os participantes mais à vontade e alcançar uma capacidade maior de articulação para cena (a facilidade de um ajuda a dificuldade de outro).
A primeira parte ficou para esta aula e os comandos foram bem simples. Divididos em duplas, um palhaço deve perguntar para o outro: “Como vai, como vai, como vai?”. O parceiro responde: “Muito bem, muito bem, muito bem”. O diálogo é repetido, sendo que o palhaço que perguntou agora responde e vice-versa. Esta conversa foi praticada pelos alunos anteriormente, que deveriam dizer as falas com quem encontrassem pela frente. Depois de familiarizados com o diálogo, dividimos o espaço em palco e platéia e cada dupla encena a conversa para o grupo, de um jeito mais criativo.
O outro foi do próprio A. que, pela primeira vez, se abriu conosco e compartilhou suas dificuldades em falar em público, falar alto, sua timidez. Na hora apontamos para a conquista dele no exercício do “Como vai...?” e Renata ressaltou a importância de usar o corpo também, como uma forma de se expressar.
Palmas a este grupo, por ele ser do jeito que ele é.
Obs: Aula que vem é o dia do figurino e do batizado dos palhaços! Grandes expectativas no ar... Entregamos a eles um convite para uma “festa de palhaços”, para que tragam roupas e junto com algumas minhas e de Renata, montemos um figurino pra cada um. Mais um dia especial por aí...
Referência:
BURNIER, Luis Otavio. O clown. In: A arte de ator: da técnica à representação. Campinas: Unicamp, 2001. (p. 205-221)
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