quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Sem guarda-chuvas (Aula 12/01)

Uma chuva... ou melhor: um toró! Acordo com o barulho da água e o vento entrando pelas frestas da janela e penso: “Vixe... e meus alunos?” Levanto, arrumo as coisas e saio de casa. Chove, chove e a incerteza de como será a aula – será que vai ter aula? – aumenta. Em Salvador, quando chove muito nada funciona direito. Alguns lugares alagam, outros muitos engarrafam, alguns faltam e outros muitos atrasam...

Chego no Xisto 09:50 e encontro um aluno, justamente o único que chegou atrasado na primeira aula e que, cumprindo promessa dita na segunda-feira, saiu super cedo de casa: “Eu cheguei 08h da manhã!”. Outros dois chegaram nos próximos quinze minutos e, após vinte minutos de atraso (“é chuva em Salvador, vamos dar essa colher de chá...”), a aula começa novamente com apenas três participantes (dois que vieram aula passada e um novo, que seria a nossa 9ª inscrição).

Chega o quarto, já quando levantávamos para começar a prática. Quatro alunos e duas professoras, mais uma vez. (O quinto que veio e faltou já havia avisado na aula passada que não viria porque ontem foi aniversário de sua avó).

Durante a aula, tudo correu bem. A participação do grupo mais uma vez foi envolvente e eles observaram positivamente a presença do ventilador... rs.

Renata e eu atentamo-nos para melhorias em alguns pontos observados em reunião, no dia anterior. Alguns exercícios que não funcionaram muito bem (eles precisam de certa preparação, algumas atividades que introduzam os aspetos a serem trabalhados...), outros bons de repetir, outros bons de apresentar pela primeira vez. Observamos também a necessidade de, a depender da sequência de exercícios, fazer momentos de relaxamento entre um e outro, para que os alunos possam descansar e respirar um pouco nas transições e não ficarem exaustos (nós decidimos que a oficina não terá intervalo na aula, para evitar dispersão do grupo). As mudanças, a meu ver, foram pra melhor.

Notei dificuldade em dois exercícios novos. Um deles foi o pega-pega com abraço. O grupo quase não utilizava o recurso do abraço como “salvação” do pegador. Talvez seja uma possibilidade repeti-lo, não sei... Tenho que consultar com Renata.

O outro foi uma alternativa que pensamos para introduzir a noção de ritmo, que notamos ser uma dificuldade do grupo em geral na aula passada, quando aplicamos as andanças (andar de acordo com o ritmo das palmas da professora). Em roda, trabalhamos diferentes velocidades de palmas e pisadas. Tanto com as mãos como com os pés, eles começavam com grande dificuldade e melhoravam ao passo que continuávamos com o ritmo proposto. O desafio maior foi com as pisadas... Mas isso era algo que já esperávamos e já planejávamos repetir e então desenvolver.

Eu comecei a aplicar uma didática de trabalho na aplicação dos exercícios que aprendi com a Mestra (com M maiúsculo) Angela de Castro¹. Angela, durante toda oficina comentava, justificava e aprofundava cada exercício (por mais “simples” que fosse, como o pega-pega) falando sobre o palhaço e seus “comandamentos²”. Ainda sem introduzir os comandamentos (que preferimos apresentar parte deles ao grupo mais adiante, chamando-os de “mandamentos do palhaço”), eu aproveitei a oportunidade para, inspirada em de Castro, comentar as atividades com estímulos que remetessem aos princípios que acredito serem do palhaço, ou à lógica do palhaço.

Um exemplo disso foi o momento da dança: “Escolhe uma pessoa pra dançar. Olha pra essa pessoa e dança com vontade com ela. Você ADORA dançar com essa pessoa! Sempre que você vai pra uma festa, você olha pra essa pessoa e pensa ‘Eba! Hoje eu vou dançar com ela!’ [...] Dança com vontade, dança com prazer! O palhaço sente prazer em tudo que faz! Ele faz tudo com vontade!” Renata logo entrou no clima e me ajudou a incentivar o grupo “Vamos gente! Vamos sorrir! Vamos dançar sorrindo!” (Angela falava muito do sorriso do palhaço, do ‘sorrir com os olhos’...).

A parte final ficou por conta de Renata: o relaxamento e desaquecimento. Dessa vez ela foi feita com mais cuidado, sem a afobação da primeira aula e com maior atenção para a respiração. Renata já no relaxamento trabalhou a retrospectiva da aula que fazemos com os alunos, quando pedimos pra eles lembrarem o que foi trabalhado. Praticamente a aula inteira foi lembrada nos comentários do grupo, inclusive com referências à aula anterior.

Após o relaxamento, tivemos uma boa conversa com o grupo, quando falamos um pouco mais sobre o dia e sobre o palhaço. Os participantes se colocaram, falaram sobre o palhaço, compartilhando visões muito bonitas. A aula foi finalizada com a rodada de beijo na mão e o “Iupiiii!³”, que por opção nossa foi introduzido coletivamente para dar um grito de guerra ao grupo e ganhar significado antes de ser trabalhado com cada um.

Continuo com grande preocupação em relação à ausência dos inscritos. Se todos comparecessem, teríamos nove participantes, o que seria um ótimo número para trabalhar. No entanto, de nove inscritos até agora só conseguimos quatro presentes... Questiono se foi a chuva que assustou os que supostamente iriam ontem ou se alguém desistiu. Acho que está na hora de chegar junto, ligar, perguntar, mostrar interesse na expectativa de que esse quadro mude.

Finalizo o relato de ontem com uma frase muito linda de um dos participantes que, ao comentar sobre o ofício do palhaço de trazer felicidade a quem está triste, disse:

“Ainda bem que encontrei esse lugar pra mim.”

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¹ Angela de Castro é brasileira residente em Londres, palhaça há 30 anos e ministra cursos de iniciação ao palhaço pelo mundo inteiro há 24. Para os muitos baianos que foram iniciados com Alexandre Luis Casali, como Renata e eu, ela é mestre dele, madrinha, como ele mesmo diz. Eu tive a honra de fazer a oficina dela "A Arte da Bobagem" no Anjos do Picadeiro 9, em dezembro de 2010, no Rio de Janeiro.

² De Castro chama de "Comandamentos do Palhaço" algo como os princípios do palhaço, o que rege sua alma. Eles hoje são 25 e em breve eu posto aqui pra compartilhá-los.

³ O "Iuuuupiiiiiiiii!", assim como os Comandamentos, eu conheci com Casali, que por sua vez aprendeu com de Castro. Ela diz que é como um grito de guerra pessoal do palhaço, que evoca todos os comandamentos em uma palavra só.

Um comentário:

  1. ... um meio de transporte pra quem tem coração cheio! Feliz por vocês, oficineiras, viventes... =D

    Iuuuupiiiiiii!!!

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