quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Marchando nos jardins da razão... (Aula 24/01)

Aula 5... Aí vamos nós...

Última aula antes do dia do bufão. Fechamos um ciclo, dos primeiros jogos, primeiros exercícios. É o último dia antes de entrar diretamente no fantástico mundo do palhaço (isso se contarmos o bufão como parte desse mundo... o que eu conto... diria que o bufão é o “primo feio” do palhaço... rs).

Com o pouco tempo que tivemos até então, a idéia era até a quinta aula trabalhar alguns aspectos que notamos serem demandados pelo grupo e que precisamos para chegar ao trabalho de bufão e, posteriormente, do palhaço. Passamos algumas aulas brincando bastante, pra mexer aqueles corpos, despertar o estado do jogo, trabalhar em equipe e sim, se divertir.

Em outros momentos concentramos a atividade no gr

upo, na formação de um grupo e manutenção do mesmo. Esse trabalho foi importantíssimo não apenas por ser um processo de arte-educação, mas também porque planejamos introduzir, pincelar, dar um gostinho do bufão e neste aguardado dia o “bando de bufões” será apresentado com destaque à turma.

Por fim e por princípio, trabalhamos o auto-conhecimento e a sensibilização que tanto vêm a calhar em uma oficina de palhaço. Para esta oficina, acreditamos em uma metodologia que aprofunde o auto-conhecime

nto do aluno e a sua presença e expressão perante a sociedade enquanto não apenas ciente, mas orgulhoso das especificidades do seu corpo e do seu jeito de ser. Como são vistos pelos colegas, como cada um deles se vê, o que acham ser belo em seus corpos e o que acham ser esquisito; a apreciação das suas diferenças e das suas “esquisitices”, enquanto unicidades da sua pessoa e verdadeiros presentes para o palhaço.

Na aula do dia 24/01, o encontro foi dividido em dois momentos, em que exercitamos os dois pontos acima citados: o grupo e o indivíduo. Este último ocupou a primeira parte da aula e, se na quarta passada propomos à turma que listasse as características físicas de cada colega, hoje a proposta inicial foi de uma apreciação individual.

Em frente ao espelho (para o alívio de alguns alunos que sempre escapavam o olhar e as professoras gritavam “esquece o espelho!!!”) a uma distância que desse para ver seu corpo todo e nada mais, o exercício foi executado em três partes (que deveriam ser feitas em silêncio): observar as partes do seu corpo e lembrar dos comentários da aula anterior; escolher a parte do corpo que ache mais bonita e tocar nela; escolher a parte que ache mais esquisita e tocar nela. A partir daí, os alunos saíram da frente do espelho e andaram pela sala de forma a exagerar a parte eleita como a mais esquisita e exibi-la para o grupo: “Exagera essa parte esquisita! Mostra como ela é esquisita! Aqui é um concurso da pessoa mais esquisita e você tá doido pra ganhar! Você tem muito orgulho dessa parte estranha do seu corpo porque só você tem ela desse jeito! Quem é que tem um barrigão assim? Um braço assim?”.

Eu, que fiquei mais à frente dessa atividade, notei a dificuldade de alguns em andar exagerando a parte do corpo em questão e, de outros, em manter esse andar. Foi necessário estimular o tempo todo, incentivar o exagero, as possibilidades de andar. Alguns escolheram partes que saltam aos olhos de quem os vê, como a barriga grande, a coxa grossa ou o braço atrofiado. Outros fizeram escolhas que eu compreendi menos, os braços, o nariz, as orelhas.

Me surpreendeu um dos alunos, que tem problemas no lado direito do corpo e escolheu as orelhas como a parte mais estranha. Eu não disse nada, lógico, mas fiquei um bom tempo pensando nisso e, só hoje (2 dias depois), cheguei à não-conclusão: Será que há falta de capacidade nele em identificar a parte do corpo diferente? Será que ele acha que é a perna ou o braço direito, mas tem timidez em mostrar? Ou, será ainda, que é minha a falta de capacidade em reconhecer que ele pode achar – sim – seu braço e perna nada estranhos e identificar a seu critério (e tem que ser seu mesmo) que suas orelhas são um tanto quanto esquisitas? Eis uma questão que talvez eu nunca responda, ou quem sabe responda mais tarde... É, Chico Science... Você afirmou, eu pergunto: mas há fronteiras nos jardins da razão?

Daí trabalhamos máscaras faciais e andanças com dificuldades no corpo (se locomover sem mexer os braços, sem mexer a bunda, sem usar os pés, sem mexer as pernas, de barriga pra baixo, arrastando as costas no chão e por aí vai...). As duas atividades foram muito bem recebidas e tivemos boas respostas do grupo que fez caretas, se jogou no chão, se arrastou, rastejou e até pulou que nem sapinho!

O segundo momento da aula foi especial porque pela primeira e provável última vez até o dia da saída nós tiramos os alunos do Xisto e saímos para andar ali pelos Barris. Após lembrar com eles os códigos para as andanças em grupo que estabelecemos aula passada (parar, andar, meia-volta, bolinho, fila, som de abelha), preparamos a turma e andamos pelos corredores do Xisto, subimos a ladeira que dá pra rua e seguimos nos Barris em direção a uma pracinha que fica nos arredores. Marchando, claro.

A experiência foi sugestão de Renata, que experimentou algo nesse sentido com o grupo d’Os Insênicos e conosco foi realmente uma delícia. Tivemos que em alguns momentos organizar a fila, estimular pra que eles cantassem nosso hino mais alto (“Marcha, palhaços...”), enfim, segurar a onda de um grupo que por vezes se distraía. Porém, foi muito mais tranqüila essa saída do que eu esperava. Renata e eu nos organizamos de modo que sempre ficasse uma à frente e outra no fundo, pra preservar a unidade do grupo e garantir a segurança deles. Eu sinceramente achava que eles iam se desligar um pouco da proposta com tanta informação (transeunte, carro, vendedor de rua, criança brincando, jogo de futebol...) e que seria bem trabalhoso.

Voltamos para a sala para a finalização e avaliação da aula, quando ouvimos comentários muito interessantes sobre o dia. Impressionante como notaram coisas na rua, detalhes observados por um olhar de palhaço que tudo vê e tudo acha interessante. Outros gostaram de ser vistos, despertado curiosidade... Aquela fila mais que especial literalmente parou o trânsito!

Em um depoimento interessantíssimo, escutamos: “Eu gostei porque eles gostaram do meu aspecto”.

Marchemos então.

Palhaços sem fronteiras nos jardins da razão.


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*Fotos por: Renata Berenstein

Um comentário:

  1. Demais esse derrubar de fronteiras...

    "Eu gostei porque eles gostaram do meu aspecto" é sensacional. Eu vou incorporar. Lindo relato. Impressionante os resultados das aulas. Surpresas positivas e um bom caminho trilhado.

    Tô por aqui, acompanhando e torcendo.

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